Nine
Inch Nails, “The Great Below”, in https://www.youtube.com/watch?v=Ei6cmxqDPmk
Só
uma bala no coldre. Como se fosse jogar à roleta russa. Com a diferença que o
revólver não se destina à sua cabeça. Ao contrário. Ele fazia as vezes de
algoz. Tinha a arma na mão. O jogo consistia em encontrar vítimas. Metê-las
numa câmara escura, hermética, sem saída possível. Ele era um peão que fazia
apostas com a fortuna dos outros. Sabia que as decisões podiam arrastar a
miséria de muitos, e muitos inocentes, países inteiros. Era um carrasco e as
armas estavam na ponta dos seus dedos sempre que olhava para o monitor do computador
e pressionava na tecla “entre”.
Na
rua, ninguém o conhecia. Lidava bem com o anonimato. Aliás, preferia o
anonimato. A crer na animosidade contra os mercados de capitais, e de como foi
construída uma narrativa de culpa dos mercados, se a turba apanhasse os peões
da alta finança na rua já tínhamos histórias de chacinas públicas (ou os peões
da finança teriam de andar com guarda-costas).
Isso
não lhe transtornava o sono. Nada. Nem o papel de carrasco, nem a miséria que
vinha pela ponta dos seus dedos, nem o possível pesadelo de ser apanhado a meio
de uma viagem do metro pela turba enfurecida sedenta de justiça pelas próprias
mãos. Fazia o seu trabalho. Via-se um pouco como os médicos. A comparação não
era espúria. Tal como os médicos não podem ter dores de consciência na hora de
uma cirurgia, ou de desenganar um doente, ele não era pago para antecipar as
vítimas colaterais das suas decisões.
Houve
um dia que, ao almoço, um amigo de longa data, militante das causas
alter-globalização, o interrogou sobre as dores de consciência que não tinha.
Com estas interrogações violou um código de conduta que mantinham como cimento
da duradoura amizade: comprometeram-se a não fazer perguntas sobre o trabalho
do outro. Dessa vez, o almoço não chegou à sobremesa. O corretor do mercado de
capitais pousou o guardanapo, não se despediu do amigo e pagou à saída (a sua
metade da conta). Não suportou quando o amigo, a meio do rol de interrogações impertinentes,
disparou: “tu és como um carrasco que
dispara tiros no escuro. Não sabes quem vai ser atingido. E pouco te importas
com isso.”
Quando
ia a pé para o escritório, aquelas duas fases ressoavam na cabeça. Metido na
claustrofobia do elevador, não parava de pensar como elas doíam. Pareciam ter
desencadeado um efeito catalisador na consciência. A meio do pesar, queria-se
convencer da desrazão do amigo. Pegando outra vez naquelas duas frases, rematou
com os seus botões: “são tiros no escuro,
mas tiros de pólvora seca. Oxalá.”
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