Hilmar
Örn Hilmarsson,
“Ars Moriendi”, in https://www.youtube.com/watch?v=DigzsbN5o_8
Não era o caminho mais
curto para casa. Mas a velhinha fazia um desvio quando ia comprar mantimentos,
só para apreciar a avenida das tílias. Fosse que fosse o tempo que fizesse,
mesmo naquelas alturas em que os ossos doíam mais e atalhar direto a casa fosse
o mais sensato.
Não era só pela beleza da
avenida das tílias que desafiava o corpo ao desvio da rota. Era uma espécie de
superstição: enquanto houvesse força para meter pela avenida das tílias, era
como se fosse senhora do seu processo de retardamento da velhice. Concedia: em
não havendo muito a fazer, pois já entrara na terceira idade, aquele exercício
repetido de descer a avenida das tílias antes de se recolher a casa era
sinónimo de que a morte não se encomendara da sua pessoa no tempo mais próximo.
Ao descer a avenida das
tílias, contemplava as casas senhoriais que a bordejavam. Já sabia os detalhes
todos de todas as casas, aquelas que tinham cães de guarda pouco diligentes na
função (não reagiam à sua passagem) e os outros que se acirravam ao seu passar
vagaroso. Tomava nota mental das árvores que floriam, das que tinham sido
podadas para reverter o excesso de ramagem, das moradias que estavam a precisar
de obras (sabendo quem era descuidado, ou estava à míngua de dinheiro).
Como o corpo envelhecido
já mostrava sinais de cansaço, a meio da avenida a velhinha entrava no salão de
chá para descansar as pernas. Aproveitava para tomar um chá. Pedia biscoitos
para acompanhar. Nunca meteu conversa com as senhoras coquetes que eram clientela
habitual. Elas olhavam-na com desconfiança: via-se ao longe, a velhinha não
tinha a linhagem das senhoras coquetes que passavam horas a fio a comentar
frivolidades. Nunca se incomodou com o desdém das outras mulheres. Não se
sentava à mesa da casa de chá para converseta frívola. O que queria era
recuperar as forças e apreciar, com vagar, o chá que lhe era servido na
companhia dos biscoitos.
A velhinha nunca sonhou
com uma das mansões da avenida das tílias. Ela sabia quais eram as suas
origens. Teve, ao longo da vida, os pés no chão. A humildade emprestava outra
lucidez. Tinha a certeza que conhecia a avenida das tílias como a palma das
suas mãos. Muito mais do que os moradores, que – adivinhava – nem sabiam que a
avenida tinha setenta e seis tílias.
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