4.8.15

Avenida das tílias

Hilmar Örn Hilmarsson, “Ars Moriendi”, in https://www.youtube.com/watch?v=DigzsbN5o_8
Não era o caminho mais curto para casa. Mas a velhinha fazia um desvio quando ia comprar mantimentos, só para apreciar a avenida das tílias. Fosse que fosse o tempo que fizesse, mesmo naquelas alturas em que os ossos doíam mais e atalhar direto a casa fosse o mais sensato.
Não era só pela beleza da avenida das tílias que desafiava o corpo ao desvio da rota. Era uma espécie de superstição: enquanto houvesse força para meter pela avenida das tílias, era como se fosse senhora do seu processo de retardamento da velhice. Concedia: em não havendo muito a fazer, pois já entrara na terceira idade, aquele exercício repetido de descer a avenida das tílias antes de se recolher a casa era sinónimo de que a morte não se encomendara da sua pessoa no tempo mais próximo.
Ao descer a avenida das tílias, contemplava as casas senhoriais que a bordejavam. Já sabia os detalhes todos de todas as casas, aquelas que tinham cães de guarda pouco diligentes na função (não reagiam à sua passagem) e os outros que se acirravam ao seu passar vagaroso. Tomava nota mental das árvores que floriam, das que tinham sido podadas para reverter o excesso de ramagem, das moradias que estavam a precisar de obras (sabendo quem era descuidado, ou estava à míngua de dinheiro).
Como o corpo envelhecido já mostrava sinais de cansaço, a meio da avenida a velhinha entrava no salão de chá para descansar as pernas. Aproveitava para tomar um chá. Pedia biscoitos para acompanhar. Nunca meteu conversa com as senhoras coquetes que eram clientela habitual. Elas olhavam-na com desconfiança: via-se ao longe, a velhinha não tinha a linhagem das senhoras coquetes que passavam horas a fio a comentar frivolidades. Nunca se incomodou com o desdém das outras mulheres. Não se sentava à mesa da casa de chá para converseta frívola. O que queria era recuperar as forças e apreciar, com vagar, o chá que lhe era servido na companhia dos biscoitos.
A velhinha nunca sonhou com uma das mansões da avenida das tílias. Ela sabia quais eram as suas origens. Teve, ao longo da vida, os pés no chão. A humildade emprestava outra lucidez. Tinha a certeza que conhecia a avenida das tílias como a palma das suas mãos. Muito mais do que os moradores, que – adivinhava – nem sabiam que a avenida tinha setenta e seis tílias.

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