Antony and the Johnsons, “Knocking on Heaven’s Door”,
in https://www.youtube.com/watch?v=cNpCx_TDO24
Desembaracem-se
as sombras. Sobram cinzas no chão. As luzes embaciadas emprestam uma feição
lúgubre àquele lugar. A noite parece sem fim. Eterniza-se entre as nuvens
carregadas. O lugar deixou de ser um cais que apetece. Perdeu a fleuma que inspirava
as almas. Perdeu-se na vastidão das coisas irrelevantes.
Já
não há esteios fundeados neste lugar. Já não são horas melífluas as que
emolduram as suas fronteiras. Talvez fosse apenas um clamor precipitado. Talvez
devesse aquiescer mais duração às dúvidas, para lhes tirar a medida a condizer
e alinhavar resoluções com peso. Oxalá assim fosse. O que mais o cercava eram sombras
que vertiam certezas. Era como se um rio tumultuoso já tivesse passado e a
experiência do caudal tivesse sido a prova dos nove. Voltava ao agora ponto
cardeal: este lugar perdeu-se nos interstícios das sombras, já nem as suas
sombras chegam para pesar. Foi como se um anel tivesse caído entre duas pedras
da calçada e nem os olhos o conseguissem avistar, nem os dedos pudessem ir pelo
meio das pedras tatear as fundações escondidas.
Não
chegavam os pesares que se sobrepunham ao demais. O lugar tinha a cor da pele
macilenta. Via pelos olhos raiados, oblíquos, míopes. Já não conseguia ver as
árvores de outrora, nem os pássaros que enchiam o ar com a melodia que trinavam.
Um murmúrio constante salivava o desdém do lugar pela sua pessoa. Como se fosse
pária do lugar. Ele preferia devolver o opróbrio: era o lugar que estava a um
passo de ser pária.
Nestes
preparos, a defenestração impunha-se. Não interessava rever a matéria dada, que
os vapores do tempo pretérito adelgaçavam-se com a memória seletiva. Voltava ao
desafio de um novo cais onde aportar. Um cais que não estivesse contaminado
pelas águas agitadas, nem azoado pelos sacerdotes que, impiedosos, teciam sua
sepultura. Mas um lugar não é matéria desligada do resto. Um lugar não é apenas
o espaço físico que é seu mapa. A mortificação maior era não ser capaz (por
impossibilidade manifesta) de desnatar o lugar das suas significações, das
pessoas que são penhores do lugar, das memórias arquivadas.
O
outro lugar, o lugar necessário mas ainda desconhecido, esbarrava nas peças do
jogo que ele não dominava.
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