Young
Fathers, “Shame”, in https://www.youtube.com/watch?v=2PdYvkaYsaU
Aquele dedo mindinho
parecia ter um íman para o tempo vindouro. Uma maré inteira esvaziava-se nos
interstícios dos dedos, pois o mindinho dedo apartava as águas indesejadas e
fazia um cais seguro. Não havia explicação para o sucedido. Julgava que o dedo
mindinho escondia um oráculo, que talvez estivesse embebido nas cartilagens,
debaixo da unha.
Não tinha periodicidade:
o dedo mindinho sussurrava em apneia um acontecimento que estava para ter
lugar. Algumas vezes podia-se dizer que o dedo mindinho não era tão adivinhatório.
As suspeitas sobre acontecimentos futuros cinzelavam-se no dorso das
circunstâncias, ou mercê de palavras ditas, ou de outros acontecimentos que
congeminavam a contaminação do evento adivinhado. Outras vezes o dedo mindinho
parecia hastear o estandarte das adivinhas sem que elas viessem de qualquer
vestígio.
Talvez pela frenética
atividade, o dedo mindinho estava constantemente dormente. Não chegava a ser
uma dor – ou, pelo menos, não era entendida como dor. Julgava que o formigueiro
constante era a medida do frenesim intelectual que vinha do centrípeto dedo
mindinho. Mesmo no sono, o dedo mindinho intersetava sonhos e, através deles,
enviava sinais do que estava para vir. Como acreditava que lhe pudessem chamar
louco caso revelasse a prodigiosa atividade do dedo mindinho, guardou sempre
segredo. Não contou a ninguém. Nem aos melhores amigos, nem às namoradas que
tiveram cumplicidade – a ninguém. Assim como assim, mesmo que não se importasse
que o tivessem em conta de demente (o que não era o caso), o dote concedido
pelo dedo mindinho não podia ser mote para alterar o tempo vindouro. O futuro
não tem pertença. E se havia um dedo mindinho que sinalizava acontecimentos no
porvir, o porvir deixaria de ser à imagem do dedo mindinho se decidisse
fazer-se juiz do tempo por acontecer e contasse os segredos sussurrados pelo
dedo mindinho.
O detentor do dedo
mindinho tinha uma profissão de risco (para quem tinha dedo com estas
credenciais): era serralheiro mecânico. Um dia, o dedo foi decepado por uma das
máquinas da oficina. Foi quando, enfim, recuperou o sossego interior.
Sem comentários:
Enviar um comentário