11.8.15

Superlativo escarlate (um dedo mindinho)

Young Fathers, “Shame”, in https://www.youtube.com/watch?v=2PdYvkaYsaU
Aquele dedo mindinho parecia ter um íman para o tempo vindouro. Uma maré inteira esvaziava-se nos interstícios dos dedos, pois o mindinho dedo apartava as águas indesejadas e fazia um cais seguro. Não havia explicação para o sucedido. Julgava que o dedo mindinho escondia um oráculo, que talvez estivesse embebido nas cartilagens, debaixo da unha.
Não tinha periodicidade: o dedo mindinho sussurrava em apneia um acontecimento que estava para ter lugar. Algumas vezes podia-se dizer que o dedo mindinho não era tão adivinhatório. As suspeitas sobre acontecimentos futuros cinzelavam-se no dorso das circunstâncias, ou mercê de palavras ditas, ou de outros acontecimentos que congeminavam a contaminação do evento adivinhado. Outras vezes o dedo mindinho parecia hastear o estandarte das adivinhas sem que elas viessem de qualquer vestígio.
Talvez pela frenética atividade, o dedo mindinho estava constantemente dormente. Não chegava a ser uma dor – ou, pelo menos, não era entendida como dor. Julgava que o formigueiro constante era a medida do frenesim intelectual que vinha do centrípeto dedo mindinho. Mesmo no sono, o dedo mindinho intersetava sonhos e, através deles, enviava sinais do que estava para vir. Como acreditava que lhe pudessem chamar louco caso revelasse a prodigiosa atividade do dedo mindinho, guardou sempre segredo. Não contou a ninguém. Nem aos melhores amigos, nem às namoradas que tiveram cumplicidade – a ninguém. Assim como assim, mesmo que não se importasse que o tivessem em conta de demente (o que não era o caso), o dote concedido pelo dedo mindinho não podia ser mote para alterar o tempo vindouro. O futuro não tem pertença. E se havia um dedo mindinho que sinalizava acontecimentos no porvir, o porvir deixaria de ser à imagem do dedo mindinho se decidisse fazer-se juiz do tempo por acontecer e contasse os segredos sussurrados pelo dedo mindinho.
O detentor do dedo mindinho tinha uma profissão de risco (para quem tinha dedo com estas credenciais): era serralheiro mecânico. Um dia, o dedo foi decepado por uma das máquinas da oficina. Foi quando, enfim, recuperou o sossego interior.

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