Talking
Heads, “Burning Down the House”, in https://www.youtube.com/watch?v=u06DpcFXc4U
Terra agora de ninguém. Ninguém
ousa pisá-la – nem os que são seus donos nos termos das certidões respetivas.
Parece que passou um lança-chamas. De um momento para outro, depois do fogo e
enquanto não era possível calcar a terra, ela perdeu propriedades, ficou
carcomida pelo negrume outorgado pelo incêndio. As pessoas estão num pranto
insaciável. Perderam haveres. Choram pelos vizinhos que também perderam
haveres. E choram pela transfiguração da paisagem. É como se a cor da terra
queimada fizesse coro com o luto vestido pelas pessoas. Há quem não tenha
coragem de voltar a ver a agora terra queimada. Atemorizam-se com quem narra a
cor adulterada de uma terra que fora fértil e bela. Diziam, daquele pedaço de
paisagem, ser um naco do que mais belo oferecem as terras em redor. A maldição
do fogo corrompeu os pergaminhos da terra. As árvores de fruto são figuras
cadavéricas que se mantêm ao alto, sem que essa teimosia tenha serventia. Já se
fala em arrancá-las pela raiz, pois jamais podem fruir na penumbra em que se
transformaram. Os socalcos que traduziam a grandeza da paisagem são apenas
degraus vestidos de negro. Vista ao longe, a encosta traja a cor do fogo
deposto. O fogo que arrancou um pedaço da alma às pessoas, a que era feita da
paisagem em que medravam. Não adianta apurar culpas. Isso não devolve à terra a
sua linhagem consumida pelo fogo maldito. O rio, que ampara as duas encostas,
sente-se órfão. Habitou-se a escoar vagarosamente as águas pelo caudal
entaipado pelas encostas verdejantes, cheias de árvores de fruto. Doravante,
será um percurso inerme. O rio (aposta-se nas aldeias em redor), compungido
pela devastação das terras, nem terá coragem para as olhar com vagar. As
pessoas têm medo. Têm medo que o rio passe veloz pelo vale. E que deixe de ser
o patrono de uma terra que se esvaiu nas cinzas de um fogo assassino.
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