26.8.15

Caderno de encargos


The Durutti Column, “Tomorrow”, in https://www.youtube.com/watch?v=uvPj_5ndcxI
Os olhos perguntam ao mar se é preciso um roteiro para o futuro. Ao jeito de um caderno de encargos que inventaria os propósitos vindouros. O mar pede aos olhos para pedirem ao pensamento um pensamento sistemático sobre tamanha empreitada. Que seja o próprio pensamento a arregimentar o roteiro que deve cerzir os passos que hão de vir no depois que vem depois do exercício prospetivo. Que desideratos se inscrevem na tabela de precedências? Que desafios estão no ponto de mira? E que variáveis exteriores devem ser compulsadas, em forma de obstáculos, e se o são tão insuperáveis que mais vale prescindir de um desiderato por poder ser impossível? O pensamento tece-se, convulsivo, errando pelas margens de território desconhecido. Porque o futuro é um não tempo, conclui o pensamento em ato reflexivo. Porventura um caderno de encargos seja a forma disfarçada de algemar a vontade. Ou, apenas, de escapar à espessura do tempo atual. E por mais que não seja de esperar que o que se viesse a alistar no caderno de encargos seja de esperar, outro sobressalto despoja o caderno de encargos de visibilidade: por mais que o pensamento dê voltas sobre si mesmo, por mais que vá ao mais fundo do que há, ou que empreenda uma viagem pelo desconhecido que é o exterior, emudece-se na altura de passar ao papel o inventário das coisas esperadas da vontade vindoura. Aliás, o pensamento rejeita oráculos. Sabe que no que vier do depois que vem depois de hoje há um importante quinhão que não depende da vontade própria. E, assim como assim, tecer os mandamentos de um caderno de encargos é como agrilhoar a vontade a um tempo que ainda não é tempo tangível. O pensamento aconselha o mar a dizer aos olhos que o interrogam que não tem serventia esboçar um caderno de encargos.

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