24.8.15

As montanhas que falam


Morphine, “Cure for Pain” (live on Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=vgSH_eXjJA0
Palavras diurnas. Motes silenciosos. A chuva abundante que sobe das pradarias às montanhas onde fundeiam as almas. Não se retardam, as sombras do sol embaciado. Não se retardam porque julgamo-las imperativas, condição necessária para a madurez da alma. Julgamos assim. Somos conduzidos por uma bissetriz que corta os mantos diáfanos que nos aprisionavam. Procuramos um agora que seja a tinta da china que sela o triunvirato capaz. De sermos leais às palavras, empenhados aos sentimentos que interessam, vigilantes contra as cortinas de fumo que contaminam a lucidez. Para lá chegarmos, depomos os sobressaltos no altar maior que está no promontório mais alto entre as cumeadas. Para lá chegarmos, conversamos com as raízes das árvores, com as rochas espalhadas nos trilhos, com o musgo acamado nas rochas paralelas aos pés. Sentimos o pulsar das montanhas. Sentimo-las a verberar as iras profundas, que são nossa catarse. Pois não sabemos as cores do viés de que não somos fautores, somos apenas a caução do caudal límpido que frui nas nossas veias. E as montanhas entretecem os seus prantos e lamentos, como são pródigas em sussurrar poemas de mel e frutos, ou apenas em ensinarem silêncios admiráveis. Recolhemos todas as palavras das montanhas falantes. Como se fossemos agentes enciclopédicos da serrania que nos move. Em demanda de uma fruição total dos elementos, adiando o sono com a virtude de extrair todo o sumo dos frutos sanguíneos. Aprendemos com as montanhas que falam. Somos seus ouvintes. Nos lamentos e nas celebrações, tiramos as medidas ao excerto murmurado pelas montanhas. Até que ao abrirmos as algemas que soltam as almas inteiras sejamos iguais às montanhas que falam. Desmedidas, deletérias, harmoniosas, no sopesar das forças de sentido contrário que arrimam ao cais. Até que sejamos inteiros, como inteiras são as montanhas que falam. Para, depois, ser a nossa vez de falar.

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