P. J.
Harvey & John Parish, “Black Hearted Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=AupNf6DOaPg
Ai, que aflição. Que
aflição a da menina, em pânico de cada vez que a atenção não estava desviada
para as bactérias que podiam vir em voraz contaminação das suas mãos. Tudo o
que fosse exterior e não se lhe assemelhasse esterilizado dava azo a uma
lavagem de mãos.
Por conseguinte, a menina
lavava as mãos dezenas de vezes por dia. Mesmo quando estava em casa – que a
casa era um lugar onde controlava o ambiente através de sucessivas limpezas do
pó, de sucessivas aspirações do chão e de sucessivas lavagens do mesmo. Não
ingeria alimentos sem antes lavar as mãos. E mesmo que não fosse a hora
destinada a comer, as mãos iam em frequentes visitações à água fresca e
abundante que, com a ajuda de um sabonete dispendioso, ajudava a trazê-las
limpas. A menina vivia em constante apoplexia com a ideia de bactérias
nidificarem nas suas mãos, em pré-aviso de uma mais que certa contaminação do
organismo. Escusado será dizer que a menina era hipocondríaca. Essa não era,
porém, a maior motivação da constante limpeza das mãos. Ela tinha horror à
ideia de ter as mãos contaminadas por agentes externos. Tinha horror à
sujidade. Sobretudo da acamada nas mãos.
Um dia, começou a ter
umas afeções nas mãos ambas. Ruborizavam, atacadas por uma irritação cutânea
que obrigava a coçá-las repetidamente. Começou a lavar ainda mais as mãos: julgou
que a afeção era fruto de um microrganismo qualquer que não estava a ser
erradicado com a solução aquosa que devolvia limpeza às mãos. A alergia teimou
no tempo. A menina rendeu-se à evidência e foi consultar um médico
especialista. Contou tudo ao médico, menos o importante detalhe das dezenas de
vezes por dia que as mãos eram lavadas. O médico, não contente com os testes de
despistagem, continuou a fazer perguntas. Até que a menina confessou ser
compulsiva lavadora de mãos. Essa era a doença da menina, disse-lhe o médico. “Sabe, a água também contém bactérias. E as
mãos não podem estar constantemente expostas à agua. Se não, gastam-se. Ficam
desprotegidas.”
A menina regressou a casa
com um dilema existencial: como haveria de dissolver os hábitos instalados e
dedicar-se a uma lavagem menos frequente das mãos?
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