29.5.17

Distopia


Da Weasel e Manel Cruz, “A casa”, in https://www.youtube.com/watch?v=bL6d7O2vQic    
Idealistas empenhados por uma utopia que amesenda a pedido. Não disfarçam o desgosto pelo que os olhos decantam. Não perfilham o chão travestido de iniquidade. Insurgem-se contra as aberrações que retiram justiça ao mundo. Ambicionam um sítio diferente para alojar as pessoas, sem que esse lugar seja um atropelo constante à vontade das pessoas, sem que esteja perenemente a destruir as ambições que são legítimos espelhos possuídos pelas pessoas.
Utopias de diversa linhagem. Mas as utopias antecipam uma decadência: não se sabe como será a transfiguração necessária para arrotear o caminho até se chegar à utopia. Não há roupagem que tenha serventia, a não ser uma, desconhecida, que congemina a fazenda que dá corpo às utopias. Mas se é desconhecida, como podem os emissários propor a sua superioridade?
Talvez alinhavem um método por tentativa e erro. Talvez se proponham extinguir os piores traços dos sistemas vigentes e, por pequenas tentativas, prover a aproximação da utopia. Talvez estejam apenas reféns da rebeldia de quem quer descoser as linhas por que se costura o mundo. Entre tantas conjeturas, desconfia-se da bondade das utopias. Não das utopias em si mesmas consideradas; desconfia-se do método para arrendar o espaço necessário ao seu vencimento. Não está em causa o vagar implícito, na provável (ou improvável, depende do ponto de vista) consagração da utopia se ela se conseguir sobrepor ao horizonte que desenha os contornos do que agride o olhar. E também não está em causa o húmus em que medram as ideias que dão corpo às utopias. É o método que incomoda. O método: a incerteza perturbante, a violência sem pudor. E sobressalta a incerteza inata às utopias: elas nunca foram experimentadas, não é possível aquiescer sobre os seus efeitos (se não no palco onde impere a especulação, ou em laboratórios que não obedecem à comprovação).
As utopias podem representar a sua própria distopia. Que fique bem notado: a associação de ideias não é uma exortação à normalidade instituída. Ela dispõe, no tabuleiro onde somos peões, inúmeros ingredientes que motivam um olhar de esguelha, tremendamente desconfiado. Os mais descontentes não têm medo de substituir o existente por uma utopia, por mais incerteza que ela traga. Não estou seguro que esse método não adultere a utopia, que aparece mascarada de distopia.
Mal por mal, a distopia corrente já é conhecida.

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