Parquet Courts, “Stoned and
Starving” (live in KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=a5CvZTIoir8
O mito arredondado por defeito: não
sabia dos pesares sem rosto, nem queria ser penhor de antecipadas angústias: em
sendo antecipadas, não tinham matéria por dentro; eram apenas pirómanas sem
causa. Olhava com atenção para as pessoas tristonhas e afogueadas que ocupavam
as ruas com seu andar vagaroso. Pressentia as almas arrancadas a ferros de um
lugar de conforto. Pressentia-as, desistentes. Imaginava-as ao início ousadas, a
entrarem confiantes num labirinto que não sabiam ser tumular. Depois passava o
tempo. Muito tempo. Sem sinais de vida dessas almas. Era legítimo intuir que
tinham caído num ardil escondido no labirinto. E por que teriam arriscado uma
aventura de que não sabiam haver conclusão acertada?
Diziam-lhe: há quem só consiga morar
no limiar do precipício. Só conseguem bombear o sangue se o pulso estiver
tomado pelo medo constante, se sentirem uma linha frágil a separar o conforto
da aflição, o corpo pendido no sentido da aflição. Juntam as pedras com arestas
vivas e metem-nas nos bolsos, acondicionando-as junto ao corpo. Esperam poder
seguir caminho sem o estorvo das pedras guardadas. E qual a serventia das
pedras, se podem ser fautoras de feridas dilacerantes?
Diziam-lhe, em jeito de interrogação
retórica: “Já jogaste ao jogo do
labirinto?” E ele, pesaroso, e ao mesmo tempo não convencido das delícias
do que propunham, respondia que não. Declinava a experiência. Nunca se esquecera
de pesadelos frequentes, ele dentro de um túnel apertado que não deixava transparecer
a mirífica luz em seu terminal, o espaço afunilando-se contra o tamanho do seu
corpo até que um desabamento caía em cima do pesadelo, esfrangalhando-o (para
seu alívio). E por que tinha tamanho pesadelo, se nunca experimentara a
claustrofobia de um túnel cingido ao seu corpo – e se não sabia o que era
claustrofobia a não ser pelo dicionário?
Ninguém lhe dizia nada. Ninguém podia
dizer nada. Os pesadelos são espaços próprios de labirintos insondáveis, que
nem sequer a mente que os congemina consegue lobrigar. Sobrava um consolo: há
sempre o depois do labirinto. Mesmo dos labirintos escamoteados, daqueles
labirintos que foram evitados (ora pela covardia afinal corajosa, ora pelo medo
benigno) e que deixam à mostra a paisagem inteira sob a varanda alcançada, como
se uma vidraça lisa repousasse sobre os pés apoderados.
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