15.5.17

Síndrome de pequenez


Heróis do Mar, “Saudade”, https://www.youtube.com/watch?v=LLF5JQDlvgY    
Pequeno país na cauda de um continente, que refulge no presente as pratas encardidas do passado, ensinando aos petizes a grandeza de outrora e que depois se esvaneceu. Um pequeno país com manias grandiosas: tutores da pátria exaltação não se cansam de apregoar, a quem os quer ouvir, que quando somos exemplos estamos acima de rivalidades, pois somos “os melhores”. Nos outros países, em todos os outros, também há “os melhores” no que quer que seja. Um país não vive sozinho.
Admita-se que seja reconhecido um imperativo de elevação das proezas como cimento de identificação, para não se esfrangalhar o que sobra da identificação pátria na voracidade das ditas “doenças da modernidade” (o ensimesmamento, a desidentificação, o culto do hedonismo, uma certa colonização de hábitos mercê da globalização dos costumes, a alienação). Admita-se: é preciso uma homilia pátria que faça lembrar às pessoas que devem ter orgulho em ser membros da pátria assim glorificada. Os feitos alcançados por patrícios no estrangeiro são parte importante da retórica. Somos educados a reivindicar uma quota-parte das façanhas dos patrícios. Se são patrícios, partilham esse predicado connosco. É como se em cada cidadão houvesse um par de pernas, um intelecto, uma veia artística que contribuiu, nem que seja com um módico, para os reconhecimentos externos dos patrícios que deles são tributários. Não seria má ideia recordar aos excitados que as proezas são individuais (ou, quando muito, coletivas, se forem resultado de um esforço em equipa).
A exaltação pátria coincide com a inconfessável aprovação de pequenez. Talvez este ainda seja um lugar aprisionado pela esquizofrenia de quem foi obrigado a acantonar-se na pequenez quando dantes vivia espraiado num orgulhoso império. Quando são exaltadas as conquistas que, para todos os efeitos, são conquistas pátrias, vem à superfície a melancolia (disfarçada de emoção irrefreável) por sermos de uma pequenez irremediável. (“O atleta trouxe a medalha de ouro para Portugal”, ouve-se dizer o excitado jornalista, como se o atleta fosse despojado da medalha mal aterrasse em aeroporto pátrio e a entregasse em mãos à ficção chamada Portugal.)
Esses momentos são aproveitados para simular uma grandiosidade que é apenas episódica, fruto de uma conquista que, é bom recordá-lo, também assiste a outros países em certames idênticos. Para além de engordar um orgulho pátrio que é efémero, tais proezas esgotam-se no sentimento de autogratificação dos seus autores legítimos.
O país continuará a ter a dimensão que sempre teve, no antes e no depois do feito. Os responsáveis por todas as fragilidades do país agradecem a anestesia coletiva.

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