24.5.17

Introdução geral à realidade


Frankie Goes to Hollywood, “Welcome to the Pleasuredome”, in https://www.youtube.com/watch?v=KTDydUF12rc    
Tenho a noção que as gerações mais novas não se interessam pelos acontecimentos do mundo. Entram na universidade sem saberem um mínimo sobre o que os rodeia. Talvez não tenham culpa: o ensino não está vocacionado para o conhecimento; o que se privilegia, são as ferramentas que podem abrir a porta ao conhecimento. O mal é que a cultura de não exigência não soube prever que as gerações mais novas, confrontadas com facilidades a rodos, usam as ferramentas para outras finalidades. O conhecimento continua à margem. Sem saberem, talvez as gerações mais novas saibam mais do que os demais: às vezes, a realidade é tão miserável que mais vale dela ter agnosia.
Não têm culpa, as gerações mais novas. Como não têm culpa quando a geopolítica vem bater às suas portas com a intermediação da violência mais bárbara. Ontem, em Manchester, depois de um concerto de uma artista que é adulada por adolescentes, o terror sem rosto atacou as gerações mais novas. (Dirão, os mais circunspetos, que atacou toda a civilização ocidental e os seus valores – e blá blá blá.) Que as minhas palavras não sejam treslidas: a bomba à porta do local onde tinha terminado o concerto foi, para as gerações mais novas, uma introdução geral à realidade.
O terror sem rosto que ataca indiscriminadamente, o terror covarde que elege como vítimas aqueles que, na nossa perspetiva, são inocentes, continua contaminado pela hipocrisia. Os fundamentalistas que consideram que tudo se decide pelo grito gutural da violência escolhem os indefesos e atacam, por seu intermédio, o que depois é considerado, através das reações que execram o ataque, um porta-estandarte da sociedade que os violentos detestam. Poucos terão explicado às gerações mais novas que elas também são um porta-estandarte dos valores em que se cimenta a sociedade em que vivem.
Desta vez, a fava calhou aos milhares de adolescentes que estavam no apogeu do entretenimento. Não se hão de esquecer do trauma que coincidiu com a data do concerto da artista preferida. À janela dos adolescentes atingidos (e dos demais que, não estando em Manchester, ficaram chocados com o acontecimento), bateu um naco doloroso da realidade. Doravante, não podem invocar a seu favor o desconhecimento do terror somado pelos fundamentalistas islâmicos. Como explica um pai aos seus filhos que os apóstolos do terror tenham selecionado adolescentes, ainda por cima medrando no mais puro desconhecimento da realidade, para receberem sob a forma de presente envenenado esta prova dos nove da realidade?
Esta introdução geral à realidade é uma provação para os adolescentes. Não é caso para dizer “sejam bem-vindos à realidade”.

Sem comentários: