Da Weasel e Manel Cruz, “A
casa”, in https://www.youtube.com/watch?v=bL6d7O2vQic
Idealistas empenhados por uma utopia
que amesenda a pedido. Não disfarçam o desgosto pelo que os olhos decantam. Não
perfilham o chão travestido de iniquidade. Insurgem-se contra as aberrações que
retiram justiça ao mundo. Ambicionam um sítio diferente para alojar as pessoas,
sem que esse lugar seja um atropelo constante à vontade das pessoas, sem que
esteja perenemente a destruir as ambições que são legítimos espelhos possuídos
pelas pessoas.
Utopias de diversa linhagem. Mas as
utopias antecipam uma decadência: não se sabe como será a transfiguração necessária
para arrotear o caminho até se chegar à utopia. Não há roupagem que tenha
serventia, a não ser uma, desconhecida, que congemina a fazenda que dá corpo às
utopias. Mas se é desconhecida, como podem os emissários propor a sua superioridade?
Talvez alinhavem um método por
tentativa e erro. Talvez se proponham extinguir os piores traços dos sistemas
vigentes e, por pequenas tentativas, prover a aproximação da utopia. Talvez estejam
apenas reféns da rebeldia de quem quer descoser as linhas por que se costura o
mundo. Entre tantas conjeturas, desconfia-se da bondade das utopias. Não das
utopias em si mesmas consideradas; desconfia-se do método para arrendar o
espaço necessário ao seu vencimento. Não está em causa o vagar implícito, na
provável (ou improvável, depende do ponto de vista) consagração da utopia se
ela se conseguir sobrepor ao horizonte que desenha os contornos do que agride o
olhar. E também não está em causa o húmus em que medram as ideias que dão corpo
às utopias. É o método que incomoda. O método: a incerteza perturbante, a violência
sem pudor. E sobressalta a incerteza inata às utopias: elas nunca foram
experimentadas, não é possível aquiescer sobre os seus efeitos (se não no palco
onde impere a especulação, ou em laboratórios que não obedecem à comprovação).
As utopias podem representar a sua própria
distopia. Que fique bem notado: a associação de ideias não é uma exortação à
normalidade instituída. Ela dispõe, no tabuleiro onde somos peões, inúmeros
ingredientes que motivam um olhar de esguelha, tremendamente desconfiado. Os mais
descontentes não têm medo de substituir o existente por uma utopia, por mais
incerteza que ela traga. Não estou seguro que esse método não adultere a
utopia, que aparece mascarada de distopia.
Mal por mal, a distopia corrente já é
conhecida.
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