30.5.17

Terreno minado


Aimee Mann, “Save Me” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=HrtMemDVp-k    
Os pés percorrem alegremente o chão que teve inscrição messiânica. Depois da peregrinação, os ingredientes da transformação estão todos depositados nas mãos do agente, à sua disposição, para ele com eles fazer o que aprouver. Tecem-se loas ao processo, apesar de não ser expedito e de exigir esforço, meditação, paciência, sacrifício. Arranjam-se mezinhas solidárias, para o agente não se achar imerso numa solidão conturbada que o possa demover de levar ao fim as intenções. Os demais não perdoariam: nos tantos olhares vertidos sobre o agente, levita a exigente responsabilidade.
A páginas tantas, o agente que percorre o chão prometido parece que o faz em nome próprio e em nome de todos os que nele depositam um atento olhar e um módico de esperança. Ninguém percebe que o esforço é individual e individuais se devem manter os resultados da empreitada. Mas as pessoas são ávidas no espiolhar do recolhimento, que devia ser um ato de isolamento e deixou de o ser. A humanidade não consegue deixar de lado a propensão para coletivizar tudo e mais alguma coisa. Até os atos que deviam pertencer à reclusão do pensamento e à solidão da obra.
Há culpas a repartir. O agente que parte para o terreno prometido não consegue esconder a aventura dos demais. Assim como assim, em anteriores demandas o agente esteve na posição de observador exterior; também foi juiz interessado no desempenho dos agentes que puseram pés no chão prometido. As culpas também recaem sobre os que se arvoram no papel de observadores na exterioridade do agente. É a indeclinável suposição de alvitrar sobre a existência que é exterior aos observadores, que supõem legitimidade para incarnarem juízes. A teia em que se embebem é um emaranhado a que se não vê destino fácil.
No fim de contas, o chão pisado pelo agente é terreno minado. E ele sabe-o. Deitou-se a jeito de os olhares outros sobre ele indagarem, constituindo-se supostos juízes sem mandato reconhecido. A osmose faz subir a maré dos sobressaltos. Do lado do agente, que tem os pés ferventes pelo paradoxo do terreno minado (que até à conclusão da empreitada assim permanece). E do lado dos que o observam do exterior, seus juízes implacáveis que se preparam para partilhar o triunfo da empreitada e para o atirar aos tubarões em caso de malogro.  

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