24.10.17

A orgia dos poderosos

Joy Division, “Disorder”, in https://www.youtube.com/watch?v=pnT-MpEYPDY    
Considerações elevadas, com diárias genuflexões no coldre das intenções, pois delas precisam os poderosos. Não como oxigénio – podia dar-se o caso de serem penhores de um excurso narcísico, mas não é o caso (ou não é o caso): são oferecidas como caução do poder ostentado, o poder esbofeteado sobre os demais, condenados à exigível prostração da vontade, que deve decair perante a vontade, ou os caprichos, dos mandantes.
Nada pode obstar ao poder empunhado pelos poderosos. Não admite tergiversações. Não contempla o topete da divergência. Não tolera interrogações que venham fundear a dúvida nas certezas categóricas de quem assina as ordens dominantes. São tiranetes, que seriam inexpressiva gente se o produto de acasos mil não os houvesse alcandorado a um altar de onde se olham, com a soberba dos encantados com o poder pelo poder, imperiais. Os súbditos são industriosamente educados no respeito sem questionamentos. Educados nas parangonas da deificação, como é devido a quem se julga à prova de equívocos e sentencia sem a provação das imperfeições. Os vassalos são carne para canhão da ostentação do poder, instrumentos incorpóreos, banalizados, dispensáveis peças de um xadrez sem regras, fulanizados na sua imperícia comparativa.
Os braços dos poderosos são tentáculos de um polvo que tudo açambarcam, nada deixando (a não ser uns restos insignificantes) para os miseráveis a quem os poderosos concedem a graça de se abrigarem sob sua asa protetora. Efabulam-se entidades pré-divinas: locupletam os espaços, arrematam as conversas que se passam sob o seu inerrante olhar, não transigem no desvio, logo condenado como crime que não pode ter lugar sob sua jurisdição. Monopolizam, castram, intimidam, são falsamente compassivos (quando, magnânimos, concedem graças que apenas são legítimas alcavalas de seus tutores). Tresleem palavras quando é conveniente. Sabem de cátedra o entendimento da mitomania, arma de arremesso contra os ousados que desarmam a ostentação do poder.
Perpetuando-se a diligente subserviência, em apelo do reforço do poder que aos poderosos assiste, até que enfraqueça fatalmente a estima dos submetidos ao poder. A menos que um dia, em instantâneo assomo de alforria, o poder seja destronado ou o seu exercício se submeta a um humilde banho de reeducação. Que ao caudal do poder não venham as águas contaminadas dos lúgubres mastins que se arrebatam, em onanista movimento, com o poder em sua pútrida jactância. Caso em que a transgressão convida à anomia.

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