Tricky, “When We Die” (live
at 6 Music Live Room), in https://www.youtube.com/watch?v=z6Fubdh13QE
“Às
vezes, vale a pena ser como o avestruz”, atirou, entre duas nuvens densas
de tabaco após sua inalação. E ficava inerte, a olhar para o horizonte. O
horizonte que se perdia dentro do próprio horizonte, como se por dentro desse
horizonte encontrasse as respostas que diluíam os dilemas excruciantes com que
se debatia.
“Dizes:
mais vale mergulhar na piscina e travar a respiração o mais que pudermos, só
para não contarmos com as apoplexias militantes em que o mundo é pródigo?”,
devolveu, em forma de interrogação, para perceber ao que vinha o amigo com a
anterior proclamação, enquanto tentava perceber onde era o lugar distante que o
amigo fitava com um olhar extático.
“Como
metáfora, não é hipótese desavisada, a tua.”, ripostou, enquanto olhou para
o relógio duas vezes num espaço de poucos segundos, talvez pressagiando distração
na primeira observação das horas, ou entretecendo o espaço por onde denotava o embaraço
da conversa. (Logo após ter ensaiado a clarificação das suas palavras através
daquela resposta, deteve-se no seu significado. Aproveitou o silêncio que se
instalou. O amigo ainda estava a digerir a primeira proclamação após ter sido o
seu significado confirmado mercê da hipótese de metáfora por ele sugerida. O
silêncio demorado não teve o préstimo esperado. Afinal de contas, não sabia ao
certo o que queria dizer quando afirmou “às
vezes, vale a pena ser como o avestruz”. Admitiu: foram palavras avulsas.)
O amigo desibernou, mexendo-se como se estivesse desconfortável – e não era
com o lugar que ocupava, era com a explicação alvitrada: “O teu argumento é este: é melhor fazermos de conta que os problemas não
existem, ou devemos desviar o olhar quando os problemas connosco chocam de
frente?”, e rematou a interrogação com um esgar que mostrava, ao mesmo
tempo, incompreensão e desprezo caso o amigo confirmasse a teoria.
“O
que ganhas em mergulhar nos problemas, nos problemas que são homéricos, se
sabes à partida que te vão derrotar?”, olhando o amigo nos olhos, pela
primeira vez desde que a conversa tinha começado.
“Essa
agora! Insinuas que não temos o sobressalto das coisas que inquietam se
fizermos de conta que elas não existem?”, disparou, visivelmente enervado.
“Encontras
alternativa?”, foi a sua vez de formular uma interrogação, enquanto voltava
a perder o olhar no palimpsesto do horizonte.
“Sim.
Mergulha na piscina olímpica, esta à nossa frente, e nada em apneia até ficares
cansado. Nota bem: não digo que pares no momento em que precisares de vir à
superfície, por exaustão da apneia. Leva o teu esforço até ao limite. Verás que
resolves todos os problemas. De uma vez por todas.”
Sem comentários:
Enviar um comentário