10.10.17

Piscina olímpica (apneia)

Tricky, “When We Die” (live at 6 Music Live Room), in https://www.youtube.com/watch?v=z6Fubdh13QE    
Às vezes, vale a pena ser como o avestruz”, atirou, entre duas nuvens densas de tabaco após sua inalação. E ficava inerte, a olhar para o horizonte. O horizonte que se perdia dentro do próprio horizonte, como se por dentro desse horizonte encontrasse as respostas que diluíam os dilemas excruciantes com que se debatia.
Dizes: mais vale mergulhar na piscina e travar a respiração o mais que pudermos, só para não contarmos com as apoplexias militantes em que o mundo é pródigo?”, devolveu, em forma de interrogação, para perceber ao que vinha o amigo com a anterior proclamação, enquanto tentava perceber onde era o lugar distante que o amigo fitava com um olhar extático.
Como metáfora, não é hipótese desavisada, a tua.”, ripostou, enquanto olhou para o relógio duas vezes num espaço de poucos segundos, talvez pressagiando distração na primeira observação das horas, ou entretecendo o espaço por onde denotava o embaraço da conversa. (Logo após ter ensaiado a clarificação das suas palavras através daquela resposta, deteve-se no seu significado. Aproveitou o silêncio que se instalou. O amigo ainda estava a digerir a primeira proclamação após ter sido o seu significado confirmado mercê da hipótese de metáfora por ele sugerida. O silêncio demorado não teve o préstimo esperado. Afinal de contas, não sabia ao certo o que queria dizer quando afirmou “às vezes, vale a pena ser como o avestruz”. Admitiu: foram palavras avulsas.)
O amigo desibernou, mexendo-se como se estivesse desconfortável – e não era com o lugar que ocupava, era com a explicação alvitrada: “O teu argumento é este: é melhor fazermos de conta que os problemas não existem, ou devemos desviar o olhar quando os problemas connosco chocam de frente?”, e rematou a interrogação com um esgar que mostrava, ao mesmo tempo, incompreensão e desprezo caso o amigo confirmasse a teoria.
O que ganhas em mergulhar nos problemas, nos problemas que são homéricos, se sabes à partida que te vão derrotar?”, olhando o amigo nos olhos, pela primeira vez desde que a conversa tinha começado.
Essa agora! Insinuas que não temos o sobressalto das coisas que inquietam se fizermos de conta que elas não existem?”, disparou, visivelmente enervado.
Encontras alternativa?”, foi a sua vez de formular uma interrogação, enquanto voltava a perder o olhar no palimpsesto do horizonte.
Sim. Mergulha na piscina olímpica, esta à nossa frente, e nada em apneia até ficares cansado. Nota bem: não digo que pares no momento em que precisares de vir à superfície, por exaustão da apneia. Leva o teu esforço até ao limite. Verás que resolves todos os problemas. De uma vez por todas.

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