Anne Clark, “Full Moon”, in
https://www.youtube.com/watch?v=84-fyNr4AeI
Embeleza o olhar fortuito no laço denso
do entardecer. Não tarda: o luar. Quando o dia enfim destituído for beijado
pela noite, sem que da noite tenhas de exibir um pesar amedrontado. Dirige o
olhar ao firmamento, no espaço onde se levanta a lua inteira, sumptuosa, com a
grandiosidade que quadra com o seu tamanho de lua cheia que acabou de desabrochar.
Pois é o teu olhar que traduz o luar.
Diz que sombras se escondem na superfície
da lua, que sombras se contrapõem na luz-gladíolo irradiada pela sorridente
lua. Lembras-te de ter ouvido, em tempos, uma criança, ainda sitiada pela inocência
da idade, a grafar a intensa lua cheia, dela dizendo que a lua enviava um largo
sorriso e que todos devíamos devolver em alegria a oferenda da generosa lua. Descontas
a puerilidade própria do exemplo, que não deixa de servir como metáfora. Andem os
olhos distraídos em obnóxias observações, derramados sobre o chão onde se
arrastam os pés enfadonhos, e a lua esplendorosa fica perdida no olvido. Não chegará
a inflamar a chama que intui o salvamento da alma – pelo menos naquelas noites
em que a lua toma conta do palco noturno.
Dizes: os meus olhos não perseguem o altar
da melancolia. Os olhos são um cais aberto ao que lhes é limítrofe. Ordenam às
janelas que se soabram de par em par para nada ficar retido no seu beiral. Dizes
que é exercício arriscado. Pela força das marés, vestígios malevolentes podem
aportar às janelas franqueadas, contaminando o olhar com células apodrecidas,
caucionando o desarranjo do olhar num ápice, deitando o corpo num torpor indizível.
Não te inquieta a possibilidade. Dizes, senhora das tuas certezas (pelo menos
desta), que tens o tempo adquirido por garantia, selo bastante para depurar as
influências que se jogam no sopé das janelas abertas. E que o teu olhar consegue
pressagiar as sombras negras, os vultos ameaçadores que se insinuam à boca de
cena, degolando-os sem dó.
Dizes que sim, que tens um olhar
adestrado para apurar o luar claro que torna a noite mestiça. E eu peço para do
teu olhar um módico de claridade me ser dado de garantia própria, por ti, musa
capaz de cicatrizar com o luar por teu olhar apurado.
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