9.10.17

Por que olhos apuras o luar?

Anne Clark, “Full Moon”, in https://www.youtube.com/watch?v=84-fyNr4AeI    
Embeleza o olhar fortuito no laço denso do entardecer. Não tarda: o luar. Quando o dia enfim destituído for beijado pela noite, sem que da noite tenhas de exibir um pesar amedrontado. Dirige o olhar ao firmamento, no espaço onde se levanta a lua inteira, sumptuosa, com a grandiosidade que quadra com o seu tamanho de lua cheia que acabou de desabrochar. Pois é o teu olhar que traduz o luar.
Diz que sombras se escondem na superfície da lua, que sombras se contrapõem na luz-gladíolo irradiada pela sorridente lua. Lembras-te de ter ouvido, em tempos, uma criança, ainda sitiada pela inocência da idade, a grafar a intensa lua cheia, dela dizendo que a lua enviava um largo sorriso e que todos devíamos devolver em alegria a oferenda da generosa lua. Descontas a puerilidade própria do exemplo, que não deixa de servir como metáfora. Andem os olhos distraídos em obnóxias observações, derramados sobre o chão onde se arrastam os pés enfadonhos, e a lua esplendorosa fica perdida no olvido. Não chegará a inflamar a chama que intui o salvamento da alma – pelo menos naquelas noites em que a lua toma conta do palco noturno.
Dizes: os meus olhos não perseguem o altar da melancolia. Os olhos são um cais aberto ao que lhes é limítrofe. Ordenam às janelas que se soabram de par em par para nada ficar retido no seu beiral. Dizes que é exercício arriscado. Pela força das marés, vestígios malevolentes podem aportar às janelas franqueadas, contaminando o olhar com células apodrecidas, caucionando o desarranjo do olhar num ápice, deitando o corpo num torpor indizível. Não te inquieta a possibilidade. Dizes, senhora das tuas certezas (pelo menos desta), que tens o tempo adquirido por garantia, selo bastante para depurar as influências que se jogam no sopé das janelas abertas. E que o teu olhar consegue pressagiar as sombras negras, os vultos ameaçadores que se insinuam à boca de cena, degolando-os sem dó.
Dizes que sim, que tens um olhar adestrado para apurar o luar claro que torna a noite mestiça. E eu peço para do teu olhar um módico de claridade me ser dado de garantia própria, por ti, musa capaz de cicatrizar com o luar por teu olhar apurado.   

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