20.10.17

A valsa dos adivinhos

MGMT, “Little Dark Age”, in https://www.youtube.com/watch?v=rtL5oMyBHPs    
Há os que se julgam detentores de um oráculo inerrante. E o demais magote que pergunta pelo futuro. Parece que (quase todos) andamos impacientes por antecipar o que vão ser os amanhãs, como se tivéssemos pressa que os amanhãs cheguem, como se os fôssemos viver a destempo mercê da prestimosa perícia dos adivinhos. Se há tanta gente que demanda o imaculado porvir, sem perceber que passa ao lado do tempo com espessura (e, portanto, a vida não lhes chega pela metade), que ninguém estranhe que haja quem se ofereça para fazer as vezes de oráculo: há mercado, e prolixo. Em rigor, eles não têm oráculo onde repousam as mãos à procura de um sortilégio que venha incendiar a inspiração por sua vez matéria-prima da adivinhadora função; eles são o oráculo em carne viva, a personificação dos predestinados para escreverem páginas atuais antes de o tempo certo lá ter arribado.
E vasculham, diligentemente, os amanhãs que não podem esperar. Quando derem conta, o tempo esgotou-se e nunca chegaram a perceber os mares que passavam. Desprendem-se do chão que é aposento para seus corpos e levitam, ascetas sem corola, no regaço amarrotado das profecias cinzeladas com o estribilho da falácia. Alguns forjam o futuro, como acontece com outros que torturam estatísticas até elas berrarem – contrafeitos, porém – os números que os algozes pretendem. Os estarolas cientificamente penhores de oráculos torcem os factos quando o tempo em espera faz o favor de chegar e as suas cores diferem das pressagiadas em não cautelar vaticínio.
Os assim sobredotados confiam na parca memória da audiência. Não é ónus congeminar adivinhações sobre as mangas do tempo que novas alvoradas irão trazer. Quando for altura para a prestação de contas, já ninguém se recorda das promessas untadas com assertivas previsões. Falharam, um logro do tamanho da banha-da-cobra em que se untam para disfarçar a vergonha. Falharam: mas sabem que a memória é um breviário, depressa esgotado o manancial nas diferentes camadas do tempo. E eles prosseguem, donairosos e sorridentes, o sorriso de quem não toma noção do risível, outros em pose solene a si chamando senatorial estatuto de oráculo do reino, sem confessarem o imenso rol de adivinhas que não medraram.
Caso acertem numa, por cósmica convergência de acontecimentos, saltam para o palanque e, em bicos dos pés, besuntam-se na maior ufania que se pode conhecer, proclamando aos quatro ventos: “eu não disse, eu não disse? Sabia que isto ia acontecer”, enquanto rogam o correspetivo aplauso e o consequente reconhecimento de estatuto pré-divino.

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