27.10.17

Compensa ser bandido?

Mick Harvey, Crystal Thomas & the Rockwiz Orchestra, “Bonnie & Clyde”, in https://www.youtube.com/watch?v=_iPjnUjKQAQ    
Leu aquelas obras que dispõem sobre a ética da lei. Sobrepôs-se às fórmulas herméticas dos autores, tentando perceber o conceito de moral – como era possível objetivá-la (e sempre mergulhou num mar de dúvidas). Era assaltado pelo incorrigível desejo de transitar nos antípodas da ordem estabelecida que não admite dissensões ao estatuído legal.
Contudo, não passava das ameaças esboçadas nos contrafortes do pensamento, desenhando cenários mentais de transgressão, de rebeldia indomável, de existência à margem do aceitável, quase como se fosse preciso exilar-se no paralelismo do absurdo só por si não tido como tal. Depois, era a hora das resoluções e os pés tinham de encontrar firme chão. Os imperativos que sobravam das intensas deambulações do pensamento não colhiam na sua aplicação prática. Concluíra que obedecia a uma ética privativa, terçada por dentro de si e em seus limites se esgotando. Obedecia ao instituído legal por um imperativo interior se sobrepor, mesmo que dele sobreviesse um choque frontal com as vigílias da criatividade, negativamente inspirado nos compêndios que instruíam a temerosa obediência às leis e seu espírito.
A insanável divergência interna estava sob linha de fogo, dando o flanco ao desafio. Chegavam ao conhecimento provas de que o banditismo compensava. Não só porque seus autores obtinham honorários que não eram acessíveis aos escrupulosos zeladores da legalidade, como também por não serem atirados para o caldeirão das responsabilidades, assim não apuradas – o que cerceava a hipótese de punição pelos comportamentos não tolerados. Ser bandido não determinava a exprobração. Os outros, pulcros seguidores da ética da lei, só se andassem distraídos não tinham incentivo para a rebelião. Como podia o atropelo da legalidade não ter consequências? Como aceitar que os infratores fossem recompensados ao não serem punidos, deleitando-se com as vantagens da não recriminação?
A consciência podia expor-se a fendas. O interior código de conduta, esteio não escrito e apalavrado no casuísmo da análise, estava sob os auspícios de uma crise existencial. Tudo indicava que a ética da lei tinha contraindicações. Tudo indicava que não era mal pensado ser bandido. Faltava a sentença apalavrada pelo denso manto da consciência.

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