The Fall, “Cruiser’s Creek”,
in https://www.youtube.com/watch?v=pem02CWn4Do
O formoso desenho da paisagem, com seu
contorno resplandecente por ação do dia insolitamente estival (para esta altura
do ano), esconde as penumbras malsãs. Olhas para o relógio – defeito viciante,
ou vício de que está sitiado na tirania do tempo. Faltam quatro minutos para as
onze. Não sabes se é cedo ou se o tempo já se demora e se ficas em atraso. Não te
lembras do dia que é. Não te lembras se tens horários a respeitar e se há
agenda anotada.
Do miradouro, fechas os olhos e deixas
o vento assenhorear-se do teu rosto. Pode ser que te invistas num respaldo de
ti mesmo, sem te hipotecares ao restolho do entardecer vadio, sem acabares
errante em noites sem rumo, noites em que o sono foi locupletado por um demónio
escondida nas trevas madraças. Sem teres a certeza de seres a pior pessoa do
mundo. O miradouro – agilizas o pensamento – pode ser que encerre essa terapia.
Não queres convívio com as sombras que tingem as cortinas diante dos olhos. Não
queres ser açambarcado pelas cortinas, como se elas fossem plantas carnívoras
insidiosamente inertes, fazendo de conta que estão imersas no sono, à espera da
próxima presa que apareça. Desconfias que o pântano ocular que toma conta de ti
exige acrisolamento. Caso contrário, temes ser tomado pelos tentáculos do pântano
e nele te fundires, sem remissão.
Olhas outra vez para o relógio: quatro
minutos para as onze. Não dás importância à hora. Podiam ser doze minutos
depois das três da tarde, que era igual. Deste conta que o tempo era
indiferente. Por dentro das baias do tempo, era como se tudo tivesse sido
devolvido ao império da indiferença. Talvez soubesses que as margens queimadas
por incêndios dantescos não eram lugares recomendáveis. Afinal, o tirocínio é
imorredoiro. Não o deixa de ser nem quando, já idosos, julgamos já não ter nada
para aprender. É a pior insinuação da decadência. As carnes envelhecidas não são
um pacto contra a cobiça do saber. Evocas uma conversa com um tio idoso,
doente, em seu leito que haveria de ser de morte. Recordas como ele quis trocar
de lugar contigo, tu absorto pelo desprazer do conhecimento, que julgavas adulterado;
e ele, na cama aquartelado, murcho e sem força, a invetivar-te pela capitulação,
desafiando para seres o teu próprio tutor das fontes de conhecimento suculentas.
Olhas mais uma vez para o relógio:
quatro minutos para as onze. O tempo parou? O que interessa?! No arquipélago
que sabias ser, o tempo só prospera nos arredores. Continuavam a ser quatro
minutos para as onze. Até quando te apetecesse determinar outra hora qualquer
na moldura da quimera de que foras arquiteto.
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