3.10.17

Quatro minutos para as onze

The Fall, “Cruiser’s Creek”, in https://www.youtube.com/watch?v=pem02CWn4Do    
O formoso desenho da paisagem, com seu contorno resplandecente por ação do dia insolitamente estival (para esta altura do ano), esconde as penumbras malsãs. Olhas para o relógio – defeito viciante, ou vício de que está sitiado na tirania do tempo. Faltam quatro minutos para as onze. Não sabes se é cedo ou se o tempo já se demora e se ficas em atraso. Não te lembras do dia que é. Não te lembras se tens horários a respeitar e se há agenda anotada.
Do miradouro, fechas os olhos e deixas o vento assenhorear-se do teu rosto. Pode ser que te invistas num respaldo de ti mesmo, sem te hipotecares ao restolho do entardecer vadio, sem acabares errante em noites sem rumo, noites em que o sono foi locupletado por um demónio escondida nas trevas madraças. Sem teres a certeza de seres a pior pessoa do mundo. O miradouro – agilizas o pensamento – pode ser que encerre essa terapia. Não queres convívio com as sombras que tingem as cortinas diante dos olhos. Não queres ser açambarcado pelas cortinas, como se elas fossem plantas carnívoras insidiosamente inertes, fazendo de conta que estão imersas no sono, à espera da próxima presa que apareça. Desconfias que o pântano ocular que toma conta de ti exige acrisolamento. Caso contrário, temes ser tomado pelos tentáculos do pântano e nele te fundires, sem remissão.
Olhas outra vez para o relógio: quatro minutos para as onze. Não dás importância à hora. Podiam ser doze minutos depois das três da tarde, que era igual. Deste conta que o tempo era indiferente. Por dentro das baias do tempo, era como se tudo tivesse sido devolvido ao império da indiferença. Talvez soubesses que as margens queimadas por incêndios dantescos não eram lugares recomendáveis. Afinal, o tirocínio é imorredoiro. Não o deixa de ser nem quando, já idosos, julgamos já não ter nada para aprender. É a pior insinuação da decadência. As carnes envelhecidas não são um pacto contra a cobiça do saber. Evocas uma conversa com um tio idoso, doente, em seu leito que haveria de ser de morte. Recordas como ele quis trocar de lugar contigo, tu absorto pelo desprazer do conhecimento, que julgavas adulterado; e ele, na cama aquartelado, murcho e sem força, a invetivar-te pela capitulação, desafiando para seres o teu próprio tutor das fontes de conhecimento suculentas.
Olhas mais uma vez para o relógio: quatro minutos para as onze. O tempo parou? O que interessa?! No arquipélago que sabias ser, o tempo só prospera nos arredores. Continuavam a ser quatro minutos para as onze. Até quando te apetecesse determinar outra hora qualquer na moldura da quimera de que foras arquiteto.

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