God Is an Astronaut, “Reverse
World”, in https://www.youtube.com/watch?v=rcphvUsgTks
Nos moinhos flambeados que levitam nas
colinas esbranquiçadas, deitamos o peito em cuidada meditação sobre os
sobressaltos impeditivos. Sê-lo-ão? Sempre se disse que ao homem cabe a remoção
das pedras, até das mais empedernidas, que obstruem o caminho. Ou, em
tratando-se de empreitada ainda mais árdua, de removê-las à medida que constrói
a vereda, desbravando o terreno denso que vem pela frente.
Não interessam as reticências que
embaciam o papel onde se ensaiam as palavras-sortilégio. As reticências são um
desvio, não têm serventia. Uma distração. Compulsam-se, então, os sais
arrancados ao chão e dos abetos sementes que vão fruir depois em mais abetos. Impõe-se
travar o deserto: a areia, insidiosamente, silenciosamente, ganha espaço sem se
dar conta – e quando se dá conta, já vem a destempo o dique que as ponha em
retrocesso. Impõe-se um resgate das coisas tangíveis, daquilo que vem à boca e
congraça um deleite, das palavras que se investem em castelos fantasiosos, das
palavras destemidas que ousam romper com as muralhas do adquirido, dando corda à
imaginação que é meio para travar as estéreis areias que intuem o deserto.
Resgate. Nos imponderáveis arqueados
sobre o tempo sem aviso, nas escadas sinuosas e cheias de resvaladio musgo, nas
alcáçovas noturnas onde se encosta a cabeça, seu regaço quimérico, nas paredes
ajustadas ao desembaraço dos amantes, na inconsciência do avulso, nas janelas
abertas que deixam entrar todos os poros do mundo, num cais escondido que se
debruça sobre a paisagem bucólica. Um metódico envidraçar do olhar à matéria
vivificante, sem esquecer o material fundente onde têm berço as amálgamas de
coisas diferentes de que se soerguem construções edificantes, matéria involúvel
e sem dar o flanco aos ataques soezes de quem prefere os cinzentos subterrâneos.
Nada disso não importa. Por maior que seja o seu dano. Por maior que seja o seu
ultraje. A grandeza afirma-se pelo ato volitivo da indiferença. Deixando ao
lodo os seus habituais residentes. Recusando nele mergulhar.
O resgate também é isto: decisão sobre
o lugar onde o pensamento se situa. Sem cair no poço infundado onde se acaba
sitiado, a vontade amordaçada pela camisa-de-forças de que se é autêntico fautor.
Pois os criminosos penhores das aleivosias limitam-se a fornecer a
camisa-de-forças; somos nós que a atamos, se não soubermos meter o olhar num
atalho salvífico e à indiferença destinar as provocações. O resgate também é
isto: nem sequer meter as mãos à camisa-de-forças, para não sermos irremediáveis
reféns dela no momento em que, sem as podermos domar, as próprias mãos apertam
o laço que remata a camisa-de-forças.
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