The Breeders, “Wait in the
Car”, in https://www.youtube.com/watch?v=5i76b0OrdIQ
Em modo de presságio (ou, dir-se-ia: de
antecipada preferência para o tempo da colheita senescente): retirado em lugar
idílico, sobranceiro ao rio, com o caudal do rio como pano de fundo, como se
fosse um dourado lençol domando os pedregosos montes que descem
vertiginosamente sobre o rio. O rio sob os meus pés, escondidos debaixo de uma
secretária.
Um computador à frente – mas podia ser,
em modo ancestral, um bloco de notas e uma caneta de tinta permanente. A escrita.
A nunca capitulada e higiénica escrita. Um ruído em redor. Pode ser o ciciar
dos pássaros rimando com o entardecer, no rompimento do silêncio hermético. Como
pode ser o adocicado bulício de petizes entregues à algazarra infantil, um modo
terapêutico de estroncar o silêncio quando o silêncio se convenciona excessivo.
E a escrita. Olhando para as vinhas que
descem em socalcos até ao vale onde se abriga o rio. As vinhas desnudadas, se
for inverno. Ou caramelizadas, as folhas caducas dividindo-se entre o remanescente
nas cepas e o chão, feitas seu manto divinal, um húmus que reclama a renovação
da colheita para tempo vindouro. E a escrita. Sobre o que vier ao sopeso dos
dedos, no matraquear musical no teclado do computador – ou então, em modo
ancestral, fazendo a tinta acetinada deslizar no papel grumoso, um sortilégio ímpar.
Talvez só teorizando sobre a aparente frivolidade das palavras que se descobrem
à medida que a tinta açambarca um módico do papel – ou então, vendo como elas
se desfazem da alvura do ecrã à frente dos olhos para se amontoarem numa mancha
estilística. A correria de palavras como exercício estético.
Sabendo que, pela aurora, desço
vagarosamente os degraus dos vinhedos até ao rio para meter as mãos na água e
lavar o rosto – a matinal e inaugural água sobre o rosto para despertar do
torpor noturno e do sono preferencial. Antes de regressar a tempo de, no
promontório sobranceiro à grande casa, espreitar o inaugural sol a espreitar
atrás dos montes distantes que são sua fronteira à hora da alvorada. E a
escrita. E os petizes em esfomeada degustação do pequeno-almoço, enquanto
esperam pela entrega aos pais.
Em oferendas sucessivas, sem contar com
o tempo sem marcha, que naquele lugar, e na hora da colheita senescente, parece
demorar-se metodicamente, como especial favor a quem se amedronta com a morte. A
morte, todavia, não lembrada, diante de lugar idílico e dos dias que se
atravessam no tempo como se o tempo não passasse por eles. Com o rio que desce
sem se ver a servir de testemunha cabal perante o notário inteiro, o mundo sem
quartel.
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