16.4.18

O homem que inventava impérios e não queria tronos


God Is an Astronaut, “Komorebi”, in https://www.youtube.com/watch?v=dLPZpx6LS48
Trouxe palavras ao mundo. Imagens que descobriu nos interstícios das trevas. Dele foram caminhos dantes insondáveis e agora abertos à exploração. Resolveu equações imponderáveis. Mostrou a simplicidade das coisas outrora inextricáveis. Ensinou que as cicatrizes são apenas uma excrescência necessária para o acrisolamento da alma. 
Teve a tutela de impérios levantados pela sua arte, que não era de ficar inerte de cada vez que, fosse seu timbre, viesse passar lustro ao orgulho por ter instruído novos impérios. Não queria prebendas. Muito menos homenagens. Um dia, um figurão, não disfarçando a inveja que tinha por o inventor de impérios ser amado por tanta gente, quis-se colar à fama atribuindo-lhe comenda só ao alcance de feitos superiores. É da têmpera dos políticos, reivindicam um quinhão das proezas alheias calculando que delas se podem aproveitar. Ele recusou. Começou por recusar discretamente, para não ferir suscetibilidades. O mandante insistiu. Chegou a demanda a tal ponto que mais parecia uma intimação. Voltou a recusar. Desta vez, pôs de lado o discurso suave. O figurão caiu no ridículo – estava habituado a que todos o pajeassem, sem direito a contraditório ou a divergência. (O mandante tinha a mania que era predestinado e que o seu nome ficaria selado a ouro nas páginas da história.) 
O homem que inventava impérios não queria tronos a condizer. Uma vez, alguém perguntou por que não queria um trono, ao menos. Respondeu, sem pestanejar, que inventava impérios para os outros. A cada descoberta, não a anunciava com um séquito a tiracolo e com os holofotes garridos adejando sobre a sua aura. Era o oposto:  dispensava o aplauso; dispensava-o para quem dele se alimenta. Os impérios davam-se a conhecer por si mesmos. 
Dele se dizia ser um eterno insatisfeito. Mal açambarcava um império, fazendo xeque-mate sobre os contratempos que tivessem aparecido, esquecia-se dele. O império perdia valor mal era registado nos anais das proezas. Ato contínuo, refugiava-se num esconderijo de que ninguém sabia paradeiro. Não aguentava o cortejo de felicitações consecutivo ao desabrochar de um novo império. A desmultiplicação de encómios incomodava-o. 
De uma vez, logo a seguir a outro império inventado, desenhou a hipótese de se reformar. (Ainda não era de idade da reforma; a reforma que levantou como hipótese era a reforma da invenção de impérios.) A angústia quadrava com o terrível vazio de que se preenchia mal acabava de inventar um império. O desfile do tempo e de mais impérios contracenados não foi tirocínio que chegasse para lidar com as honrarias que o presenteavam. Depois de muito pensar, inventou outro império. Era a única arte de que o seu estar era capaz. 

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