10.4.18

Eu pago as bebidas!


Dead Can Dance, “Rakim”, in https://www.youtube.com/watch?v=kq59rEVWQNI
Feito festim, pois o seu contrário açambarca as trevas militantes, que não são para aqui chamadas. Frivolidade? Se preciso for: cantamos e dançamos (se preciso for, a derradeira), e declamamos poemas, e celebramos com o vinho efémero, e somos praticantes das loucuras que vierem ao regaço. Somos intérpretes do amor. Porque a efemeridade manda festejar o demais como se não houvesse amanhãs para celebrar. Não sejam gastos instantes com convulsões interiores, arremedos de melancolia, o acosso da peregrinação interior que desagua em labirintos gongóricos. Não queremos indizíveis estrofes, palavras ininteligíveis, a complexidade malsã, a apneia da malícia. Não queremos o basalto rijo a esfoliar dolorosamente o corpo. Não queremos o azedo da vida. Não queremos o que não queremos em visitação que esvazia por dentro a vontade. Queremos as paredes límpidas para as podermos pintar ao nosso gosto, para nelas afixarmos os poemas suturados pelos dedos açorados. Queremos erguer os cálices em calorosas celebrações, podermos sentir que não se esgota a inventividade na hora de entoar o próximo pregão em jeito de saudação. Queremos saber o sentido do neófito. Queremos voltar aos lugares demandados, se assim se congeminar a vontade. Queremos o que nos for dado a querer, consagrando a vontade no mais elevado altar, sem peias a adorná-lo. Eu pago as bebidas! Chego-me à frente, no vulcão ardente da desmemória. Terço as armas da imensurável curiosidade que se oferece à posteridade que nos espera. Postergamos os embaraços que afeiam as paisagens de que formos tutores. No berço do porvir, somos seus passageiros indeléveis, o olhar preparado para as surpresas mostradas por um novo lugar, por um novo teatro em que agitamos o olhar. Dispensamos conselhos avisados: queremos o seu contrário – desconselhos e alguma loucura demiúrgica, no sentido de, por seu intermédio, a nós virem novos achamentos. Não queremos respostas, esse ardil mundano; preferimos as perguntas espraiadas no céu arejado. Não somos oferendas em covis obsoletos, lucidez que nos ufana. Se temos duas paisagens à escolha, sabemos qual é a mais bela, a mais promissora, a que cicia as palavras que destemperam os pesares e ajuramentam os néctares que hão de ter caudal nos cálices alçados. Sou eu que pago as bebidas!

Sem comentários: