9.4.18

Dito de outro modo


Eels, “Today Is the Day”, in https://www.youtube.com/watch?v=qx3sKPoeOis
Guardo os projetos firmados no convénio do tempo. Guardo-os sem os limites do possível, enquanto os modos do tempo conspiram contra sua eventualidade. Sei-o, por experiência própria, são fraudulentos os projetos alinhavados, por melhores que sejam as intenções que os firmam. Os projetos são uma estultícia, o mais puro estado do tempo gasto sem serventia.
Dito de outro modo: a espuma abundante, vertida pelo mar, perecendo no areal que bordeja o mar, é a metáfora convocada. A espuma foi contingente às marés vivas que se convolaram contra a indefesa praia. Amedrontou enquanto foi iracunda imagem que pendia sobre as frágeis arribas, à espera de serem despedaçadas pela maré-viva sem freios. E, todavia, o que sobra na posteridade do tumultuoso mar é apenas a espuma, um inerte à espera de ser dissolvido pela próxima maré alta, ou retirado da areia por zelosas brigadas de limpeza. Não conta para nada, a espuma assim deposta. 
E, dito de outro modo: somo reféns das circunstâncias. Não somos seus tutores e não as conseguimos domar. Somos como papeis atirados à rua e que voluteiam sob a força do vento, errando ao acaso. Só temos de esperar pelo vento e nem sequer conta sabermos a sua orientação. Nestes preparos, desenhar projetos que ousam a infalibilidade das projeções milimetricamente assistidas é uma empreitada atroz. Somos peças voláteis num emaranhado complexo que está acima das possibilidades do nosso entendimento. Somos esses peões, minúsculas peças num imenso tabuleiro onde tudo se congemina, e o feixe que nos coloca num certo lugar é matéria insondável. A empreitada está condenada ao malogro.
Ou, dito de outro modo: somos esta fragilidade irremediável, autênticas peças de cristal no sopé de seu estilhaçar. Somos a matéria violável pelos desígnios exteriores. Não seremos nulidades no sentido habitual do termo; a menos que em nós trespasse a ideia da invulnerabilidade, do heroísmo afirmativo, de centrípeto lugar ocupado em ensimesmado devaneio; a menos que uma constelação de ilusões fermente a predestinação que nos coloca acima dos demais. Tudo isto é tão categórico como unicórnios. A dependência destas ilusões dá alento aos grandiosos projetos, como se fôssemos lídimos arquitetos do nosso devir. Como não somos, sobram duas hipóteses: a humilde resignação à pequenez do estatuto pessoal, ou a teimosia em nos acharmos maiores do que a estatura que trazemos em nós. É a diferença entre as fragilidades não como defeito e a obsessão por ilusões que desaguam em desenganos.
Dito de outro modo: os projetos são um escapismo imprestável.

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