13.4.18

A bruxa boa


Cocteau Twins, “Carolyn’s Fingers”, in https://www.youtube.com/watch?v=NhGoZLudKyk
A bruxa boa que tinha medo da sexta-feira-treze. Era bruxa boa porque, em contrafação do mister das bruxas, recusava-se a infernizar a vida dos simples mortais sempre que o dia treze do mês coincidia com uma sexta-feira. Nesse dia, quem por ela passava era ungido com as pétalas do júbilo e da fortuna. As pessoas ficavam protegidas contra o sindicato das malévolas bruxas que não tinham descanso na sexta-feira-treze. Estas, sabendo da heresia da sua confrade, não a perdoaram. Ainda quiseram explicações para o comportamento anómalo da bruxa boa. Ela não revelou o segredo. O mal-estar entre as bruxas e a dissidente tinha a força de uma granada desencavilhada. As bruxas ortodoxas não admitiriam que um dos seus pares ultrajasse a fama que as precedia. Uma bruxa boa é uma contradição de termos.
Antes que viesse a seguinte sexta-feira-treze, urdiram uma armadilha para destrunfar a bruxa boa. Nessa sexta-feira-treze, as bruxas más esquecer-se-iam de espalhar a adversidade pelos mortais contrafeitos e todas as doses da dita seriam concentradas na bruxa boa. Ela não poderia resistir ao ataque de todas as outras bruxas. Era uma luta desigual. Não demorou a cair prostrada diante das armadilhas que as bruxas soezmente espalharam em seu caminho. 
Mas a bruxa boa conseguiu os seus propósitos. Naquela sexta-feira-treze, ninguém pôde protestar contra o azar de que não foi vítima. Não houve azarados. As bruxas más estavam ocupadas a destrunfar a bruxa boa. Não ficou uma de serviços mínimos ao serviço do azar condizente com a sexta-feira-treze. Fez-se constar que tinha sido um acidente cósmico; assim como assim, a sexta-feira-treze acabava sempre por recolher um punhado de vítimas que sucumbiam ao indeclinável fado em rima com a usura do dia – pelo menos daqueles que se benziam repetidamente, quando amanheciam sabendo que era sexta-feira-treze.
Paradoxalmente, aquele sexta-feira-treze foi o dia em que mais sorte fora distribuída, aleatoriamente distribuída, pelos mortais. A bruxa boa, exausta de tanto terçar armas contra o ataque demolidor de seus pares, esboçou um sorriso, a custo: as bruxas más tinham conseguido o contrário do que pretendem quando semeiam o alvoroço numa sexta-feira-treze: ninguém protestou contra o azar que lhe calhou em sorte (passe o oximoro). As bruxas más foram as derrotadas no pleito. 
A bruxa boa sabia que uns dias de recuperação depois voltaria ao ativo. Para voltar a ser bruxa má. Nos dias que não eram sexta-feira-treze, ela recuperava os pergaminhos. Daí em diante, fez-se constar que ela era a bruxa boa, apesar de passar grande parte do tempo a fazer de bruxa má.

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