Conan Osíris, “100 Paciência”, in https://www.youtube.com/watch?v=dQKKXqVaNEo
A este respeito, dizia ser o provir a feição da tatuagem que em seu corpo teria lugar. Não seria bota-de-elástico ao recear a tatuagem. Uma expressão extemporânea – dir-se-ia, não fossem tão vulgares tatuagens seladas em gente mais velha. Para o que interessava, não interessava o senso-comum, nem as sentenças emolduradas pelos demais, nem sequer os outros que se congeminassem como exemplo (ou antítese de exemplo).
O cabaz das decisões estava tomado pelo convencimento da insensível exterioridade. Só queria levantar âncora do fundo lodoso e partir, sem destino assinalado em cartografia apurada. Mas a âncora era pesada. E estava anquilosada pela ferrugem do tempo, denotando o tempo demorado no fundo, entre o limo imorredoiro e as rochas vetustas e os peixes ocasionais como testemunhas da letargia enraizada. A vontade mudou sem a ajuda do vento: foi um movimento intrínseco, um repentinoarrematar de um olhar que suplicava as águas diferentes, exigindo que a âncora deixasse de ser esteio da apatia.
Alguém, emergindo da muralha do conservadorismo, protestou: “por que é preciso mudar o que existe?” Não deu ouvidos. Os espasmos circenses dos conservadores são risíveis, matéria infecunda que dimana dos que se amedrontam com um laivo de transfiguração do lugar que é sua zona de conforto, por não saberem conviver com o diferente, ou por lhes ser dado a saber que têm dificuldade em reagir à maré da mudança. Devote-se-lhes a desatenção, que não são merecedores de encómios.
De regresso ao metódico ensimesmar, foi a sua vez de dirigir uma contundente interrogação: este movimento seria tangível, ou era apenas uma simulação para disfarçar o entediante envelhecer? Eram perguntas em forma de logro, porventura, ou apenas perguntas indulgentes. Não queria meter o pensamento ao serviço das possíveis respostas. Desta vez, só importava levantar âncora e partir – nem que a partida fosse sinónimo de errância. Desta vez, a errância não era mundana. Não era uma válvula de escape, reproduzindo o avestruz quando mete a cabeça na areia. Desta vez, não podia ficar sitiado pelas interrogações sucessivas que tinham o condão de protelar o devir. Desta vez era diferente.
Pôs as forças disponíveis à mercê do levantamento da âncora. Conseguiu. Estava exausto. E contente: ao contrário do que seria de supor, não foi acometido pela científica curiosidade sobre o estado da âncora depois de tantos anos escondida. Levantou a âncora e estava preparado para a partida. A pele, preparada para a tatuagem. Não sabia o que ia ser tatuado. O resto, ver-se-ia depois.
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