The The, “Slow Emotion Replay”, in https://www.youtube.com/watch?v=yW0ltw7fsdI
Não, a liberdade não pode ser um fiasco. Pode ser uma empreitada vultuosa, com um comprimento de onda variável, os seus limites testando-se nos diferentes entendimentos que fazemos da liberdade, na ordem de grandeza em que admitimos os limites da liberdade. Trata-se de um conceito complexo e de um valor simples, ao mesmo tempo – a liberdade, rica por encerrar em si um paradoxo que, por sua vez, a enriquece ainda mais.
A intersubjetividade da liberdade dá o mote à sua riqueza. Somos livres e da liberdade temos diferentes entendimentos. Há uma constelação de significados e de práticas, quando se invoca o valor da liberdade. Quem ama a liberdade entroniza-a como valor superior. Não admitimos que haja entorses à nossa liberdade e devemos estar de atalaia para que a liberdade dos outros não seja atropelada. Já como conceito, levantam voo as dificuldades intrínsecas à moldura subjetiva que quadra com a liberdade.
Quando um comunista usa a liberdade como palavra de ordem, o conceito remete para um significando se for usado por um liberal, por um social-democrata, ou por um democrata-cristão. A grandiloquência da liberdade é arrastar consigo, como asa imperativa e vigilante sobre os por ela tutelados, a tolerância. Os não-comunistas não se podem incomodar quando um comunista adoça o discurso com repetidas evocações da liberdade; nem podem resgatar da História os atentados que regimes comunistas praticaram sobre a liberdade – e, menos ainda, hipostasiar sobre um oráculo, assegurando que se os comunistas tivessem a mão no poder, começariam por reprimir a liberdade. (Até prova em contrário, que não se admite que possa ser o cadastro passado.) Não podem, os não-comunistas, atirar o opróbrio da restrição da liberdade aos comunistas, nem lhes podem negar o uso do vocábulo (como referente de um conceito). Ao fazê-lo, atraiçoam o valor fidedigno da liberdade que é a tolerância. Por maioria de razão, os comunistas não podem obter o uso exclusivo da liberdade.
Da liberdade também não se expulsam os fascistas e outros populistas que navegam com o estribilho do totalitarismo à vista. Quem defende a liberdade não a pode restringir a quem dela não se manifesta zelador. Seria um contrassenso, um punhal cravado na própria carne pelos tutores da liberdade, eles afinal os primeiros a negarem o significado do valor de que se dizem guardiães.
O que leva à questão excruciante, a questão que, por vezes, mostra como na ação levita a tendência para decairmos no contrário do proclamado: a minha liberdade tem mais valor do que a liberdade dos outros? Não podemos transigir os entorses à liberdade dos outros; ao fazê-lo, a nossa própria liberdade fica hipotecada. Se o princípio não se limitar aos confins da teoria, à pergunta formulada segue-se resposta negativa: a liberdade dos outros vale tanto como a minha liberdade. Só duvido que, em casos-limite, ou em casos avocados como “circunstâncias excecionais” para justificar parênteses na liberdade, a equivalência subjetiva da liberdade fique esquecida numa conveniente prateleira de desmemória, ou refém da sua oportunista reconfiguração disfarçada de retórica de fraca linhagem.
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