Morphine, “All Wrong”, in https://www.youtube.com/watch?v=N51Lqj9IggY
A intolerável decadência: das pessoas que fogem dos festivos momentos porque se amedrontam com a ressaca em seguida. Têm medo de estar com a barriga cheia, porque depois a vão sentir vazia, nos despojos da festividade (em que sentiram estar de barriga cheia). Não chegam a apreciar os momentos em que se considerem de barriga cheia, com o pavor do dia que vem a seguir. Aliás, não chegam a ter a impressão de estarem de barriga cheia – ou nem sequer sabem a sensação deleitosa que é alguém dizer-se de barriga cheia. Os sobressaltos conspiram contra a serenidade sem a qual são arrematados para um canto da indigência. São uns miseráveis, indignos da felicidade que lhes vem ao regaço. Prestam mais atenção às arestas montadas no rescaldo da celebração do que à celebração propriamente dita. De véspera, já fazem as contas do dia de sobra, do vazio que deles toma conta, do possivelmente longo hiato até encontrarem uma motivação que levante o pensamento para um horizonte tingido de positividade. São os cultores da sua própria decadência. O seu húmus é a melancolia que dizem preencher os dias que distam entre duas efusividades. Como estas têm o condão da infrequência, mergulham na angústia de quem se sente absorvido pelo vazio do tempo, pela inutilidade das janelas corridas enquanto o tempo espera pela próxima efeméride. Julgam iníqua a infrequência das efemérides e, ao mesmo tempo, não são diligentes na sua consumação máxima. Desaproveitam as celebrações. Desaproveitam o tempo que lhes é dado em graça. Talvez não sejam merecedores. Ou, o que mereçam, é a profunda melancolia que os preenche. São incompreensíveis tradutores do mundo complexo que há no exterior. O pior é não compreenderem um módico desse mundo complexo: as celebrações são episódicas e assim se devem manter, ou perdem os atributos que delas fazem celebrações. Entre duas celebrações, não sobra nada para celebrar. É da natureza das coisas. Não é incentivo para um triste ensimesmar em inconcebíveis convenções que parecem apostrofar a alegria. Não sabem que cada coisa tem o seu tempo próprio. Sem arrotear caminho à melancolia, enquanto espera em seu lugar a próxima festividade.
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