25.10.18

Torpedo (short stories #54)


Connan Mockasin, “Charlotte’s Thong”, in https://www.youtube.com/watch?v=kCU_FG7j-f4
          A antinomia contida nas palavras: a sua riqueza é decifrar o sentido oculto, farejar as entrelinhas, conseguir o holístico exercício que é ter o contexto todo numa representação mental que se estende diante dos olhos. Torpedo, em seu sentido literal, remete para linguagem bélica. É arma de arremesso entre os rivais de um conflito (não interessa saber se mais ou menos aceso). Nesse sentido, já encerra alguma polissemia (porque tanto serve para um conflito espúrio, como para um conflito denso). A polissemia acentua-se quando admitimos a hipótese de as palavras terem a si associadas uma linguagem metafórica que as enriquece, que se desprende da estreiteza de corredores que é a sua literalidade. Um torpedo pode ser uma arma de amor. Pode ser uma arma de entendimento, quando alguém se oferece ao litígio (torpedeando o litígio). Um torpedo pode torpedear torpedos que ameaçam a maldade. Da mesma forma que se ateiam fogos para apagar incêndios que surgem em contramão. Ou o torpedo pode selar um amor em ebulição, como um remédio que desagua no desalfandegar dos prazeres ora reprimidos, ora constituídos matéria criminal ao juízo dos notários da moralidade, ora desconhecidos. O torpedo não tem sempre uma conotação malévola, como acontece quando é usado como material de um belicismo qualquer (não necessariamente tangente às guerras tradicionais, que pode haver belicismo sem agressões físicas ou a integridade da vida posta sob escolta dos caçadores). Há torpedos necessários: os que devastam um antagonismo, selando o corolário do conflito. São as medidas excessivas que servem de instância última. Às vezes, é preciso deitar tudo à destruição, servindo o torpedo para terraplanar o chão minado pelas desavenças. O que virá depois do torpedo não será pior do que o chão por ele devastado. Ou o torpedo, usado com a parcimónia que se considere adequada, celebra o amor – ou apenas o desejo que se deifica na carnalidade dos promíscuos. Não são consentâneos (dirão), os torpedos, com as religiões. (A menos que eles sejam instrumentais à sua expansão, como ensina a História.) Estes, que são tempos da propagação do hedonismo, para desprazer das igrejas várias, são o palco ideal para o municiamento de torpedos de variada espécie. Todos em contravenção do seu uso como material belicoso.

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