David Sylvian, “Waterfront”, in https://www.youtube.com/watch?v=aX7BnTOQBIs
As pessoas guardam segredos. De si próprias. E guardam segredos relativos a outros. É como se os outros ficassem reféns dos segredos seus na posse de quem os guarda. Talvez seja um sobressalto contínuo: a qualquer altura, o tutor dos seus segredos pode desvendá-los e, se eles forem de modo a causar embaraço, pode ser um momento calamitoso. Quem guarda segredos dos outros é porque foi credor de um incalculável capital de confiança. De outro modo, não se intui a razão para confiar um segredo telúrico à guarda de outrem. Mas as pessoas caem no logro do desentendimento e a confiança acaba diluída. Se o tutor dos segredos quiser, tem a arma da vingança no coldre. Se proferir as palavras necessárias para destapar esses segredos, quem as ouvir fica a conhecer um pedaço da existência subterrânea que estava sob proteção do segredo. O autor do segredo entra em pânico. Ou, se recuar no tempo, sabendo que está sitiado pelo conhecimento do seu segredo por aquele a quem o confiou, evita mal-entendidos; o seu jogo de cintura diplomático cancela a existência de desentendimentos, submetendo-se à vontade do outro. Calcula o mal menor: ficar refém da vontade do outro. É preferível do que vê-lo revelar, de forma contundente, os segredos que quer continuar a esconder do olhar público. O autor do segredo submete-se aos humores do tutor do seu segredo, se este quiser usar do jogo da represália e tomá-lo pela trela da ameaça. Tudo pode levar vencimento por um chão manso: o tutor do segredo, mesmo depois do litígio com o amigo, não tem interesse em mostrar as cartas pérfidas de um jogo que não é seu. Não causa dores por portas travessas. Não lhe sobra o remorso de ter destapando o véu da humilhação a quem lhe confiou o segredo. E não amanha as dores de consciência por se ter desvinculado da cláusula de confiança. Quem quiser contornar estes dilemas, não deposite segredos na posse de outros.
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