19.10.18

Nova Zelândia (short stories #50)


Badmarsh and Shri, “Sajanna”, in https://www.youtube.com/watch?v=IBLF_T8zLRE
          Dantes, quando me abespinhava, deseja ir para a Nova Zelândia. Como exílio que era prémio. Um prémio de fuga de uma terra que entendia decadente. Incomodava-me a frivolidade. A incapacidade. A arrogância dos incapazes, a passarem-se por entidades messiânicas enquanto atiravam areia para os olhos dos descuidados (a maioria) e insultavam a inteligência dos demais (uma minoria, e exígua). Incomodavam-me os mitómanos militantes, como desfilavam impunemente e reivindicavam estatuto senatorial. Incomodava-me a letargia geral. A capitulação. E incomodava-me, de dentro de mim, que tudo isto me incomodasse a ponto de desejar um exílio como prémio – e nos antípodas assim convencionados, a Nova Zelândia, para ser distintamente longínquo o cordão sanitário. Incomodava-me não arrematar as energias necessárias para denunciar este comatoso estado de coisas. Era o cabaz da minha própria incapacidade. Queria fugir para a Nova Zelândia para não ser assaltado pelas deploráveis coisas que eram o fermento de um sobressalto contínuo. Talvez quisesse fugir de mim mesmo. Hoje, continuo a dizer que quero a Nova Zelândia. Dantes quase ensaiava orações que me destinassem à Nova Zelândia; hoje não peço o desterro lépido naNova Zelândia: só quero ir àNova Zelândia. Como quero conhecer outros sítios remotos (Zanzibar, Nepal, Japão, Mongólia, Argentina – de memória). Continuo a ter a mesma noção dos padecimentos desta terra. Nada mudou. O que mudou foi a importância conferida aos malsãos atributos da terra em que tenho a identidade ancorada. Não considerei a hipótese da ignorância do diagnóstico. Não consigo ter os olhos fechados. Obtive vencimento de outra e terapêutica hipótese: a desimportância de todas essas coisas que dantes arqueavam a desesperança. Agora, quando digo “quero ir à Nova Zelândia”, não é refúgio que demando, não é o escamotear do sentido diário do acontecido, não é fingir que não tenho uma identidade que tem colação com um lugar. O que mudou foi o ângulo que decanta a observação. Hoje, a Nova Zelândia é uma promessa de conhecimento, um cais a explorar, uma miragem que há de ser desfeita. Já não é um exílio a prémio. O resto, continua tudo igual. Com tendência a piorar.

Sem comentários: