3.10.18

Mudar o futuro (short stories #40)


LCD Soundsystem, “Oh Baby”, in https://www.youtube.com/watch?v=5gIhrPGyu6U
          O peso de uma rocha inamovível: este é o paradeiro das conturbadas lições sobre o devir. Os tempos de diferente ordem de grandeza não são intermutáveis. Abraçam-se a conchas diferentes, que por sua vez não se abrem umas às outras. Dizem: somos passageiros do tempo vindouro e temos essa passividade como moldura. Mais vale esperar. Sem grande esforço, na posição invejável de quem se oferece ao fado que estiver por vir, seja ele qual for. Reforçam a convicção, argumentando os esforços destinados ao malogro se alguém carregar aos ombros a ingrata empreitada de mudar o futuro. Não podemos, deste lugar atual em que estamos, lançar âncora no tempo futuro, ainda inexistente. Talvez seja acertado corroborar a ideia de que somos meros passageiros do tempo transiente. Voltamos à casa da partida: ficamos onde estamos, imersos numa passividade que não deve ser contrariada, porque se o for o mais certo é o devir, ufano de seu enigma e ungido com um irreprimível mau feitio, desfazer as vontades que congeminamos num certo sentido. Os precavidos advertem para os efeitos malsãos da passividade. Somos, todos os dias, arquitetos do devir mediante as ações e inações, as palavras adestradas, as causas abraçadas, as escolhas, os silêncios, os esquecimentos. Deixam um rasto. O hoje consome-se a prazo. O rasto não se projeta no tempo oferecido no retrovisor; admita-se que os vestígios ficam emoldurados num tempo que pertence ao pretérito, mas não é inócuo na peugada legada ao tempo vindouro. Temos uma quota-parte no desenho do futuro. E é nesse sentido que podemos oferecer um modesto contributo para o lugar onde vamos ser mais velhos, o lugar que deixaremos em herança às gerações depois de nós. Não é pretensioso: podemos mesmo levantar a mão e conduzi-la ao desenho do futuro. Mesmo que o façamos desde o presente que, à vista do futuro, se constitui passado.

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