9.10.18

Provérbios gastos (short stories #43)


The Rapture, “Get Myself Into It” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=IUl5KIwszQI
          Se as palavras ditas são as palavras dos outros, que não fiquem esquecidas as aspas; é a mnemónica que se impõe. Gastas são aquelas palavras pedidas de empréstimo à “sabedoria popular”. Os adágios estão exaustos, de tanta utilização. Não podiam esperar outro desígnio, os provérbios assim gastos: mal subiram ao olimpo dos provérbios, vieram a caminho da banalização. Andaram de boca em boca. E de tantas bocas os possuírem, num frémito instantâneo de sabedoria equivalente ao erudito lugar-comum, ficaram puídos. Dir-se-ia, em seu abono, terem sido o epitome da democracia. De tanta gente os usar, de tão popularizados terem sido, os provérbios são o estandarte da legitimidade. Os testas-de-ferro do povo. Mas estão gastos. Talvez irremediavelmente, que não se antevê a hipótese de serem reescritos (uma variação na conjugação aqui, uma palavra remediada ali, ou a sua reescrita em conformidade com os tempos que são a variável independente). Ou, talvez, o povo esteja à espera de uma personagem presciente que, num acesso de incomparável lucidez, desenhe o novo provérbio da moda. Os outros provérbios terão um módico de sossego, pois as bocas ávidas farão andar, entre elas, o novo provérbio. Até que este se junte aos demais, exaurido e condenado ao mutismo, no apalavrado devir de que não se foge. Os provérbios gastos já não dizem nada. É como se as suas palavras se esvaziassem de sentido por dentro, e da conjugação dessas palavras resultassem os ecos de uma frase logogrífica. Na escola devia-se ensinar a não falar através de adágios. E que a fuga determinada dos provérbios não é delito contra a democracia. As pessoas deviam aprender a falar através das suas próprias palavras. Deviam ser elas as fautoras da sua própria literatura. Pois dos provérbios, gastos ou não, não restam nem as sombras da criação. Nem naquelas alturas em que é tão óbvio, no derramar de uma circunstância, que vêm a calhar as palavras compostas no lugar de um provérbio. Os lugares-comuns são os lugares-tenente da pessoa hipotecada.

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