Dustin O’Halloran, “Opus 23”, in https://www.youtube.com/watch?v=Zx6gr_Ch9x8
(Carta aberta à Leonor)
Sabes, filha: o título desta carta é uma vulgaridade, como há tantas à nossa volta. Não é por acaso, o titulado: começas a ter uma idade que compõe um olhar diferente. Não digo que tenhas um olhar adulto, que ainda é muito cedo para seres incomodada com essas dores da existência. Mas o olhar com que vês as coisas já não é o mesmo da infância. Por isso, é tão importante dares conta das coisas que, por serem vulgares, dizem ao olhar que não têm importância.
Tens muito tempo pela frente para te inquietares com as coisas importantes da vida, com a sua intensa seriedade, com as angústias que são palco de noites mal dormidas, com as dúvidas existenciais, com as lágrimas que continuarás a verter (todos vertemos, sossega), com as inseguranças, com as celebrações que exigem esforço e alguma dedicação. Fora de tudo isso, há as coisas desimportantes da vida. Como teu pai, e um pouco mais velho do que tu, digo-te que somos loucos se desvalorizarmos todas as coisas desimportantes que chegam aos nossos pés. Não tens de conferir valor a todas elas; cabe-te a seleção das que julgares elegíveis. Saberás apurar o critério, com o tempo e sucessivos infortúnios. Saberás ver, com o prumo da diligência, que fora das coisas importantes há um universo de banalidades que te faz crescer. Por isso digo que só fazes catorze anos uma vez. Dirás, encolhendo os ombros, “eu sei que só faço catorze anos uma vez – e quinze, e dezasseis, e por aí fora” (ao que acrescentarás, em jeito de exclamação, uma onomatopeia típica da tua geração: “dah!”).
Entende o que te quero dizer: aprende a viver um dia de cada vez, a levar desse dia o que julgares ser a sua sumarenta matéria e a instruir o teu crescimento com essa atividade. Celebra todos os dias como se fossem irrepetíveis. (Percebeste agora por que intimo a celebrares de forma única o décimo-quarto aniversário?) Deixa os contratempos terem o seu lugar próprio, sem que sejas tu a arrematar caminho para a sua existência. Não cuides se não do que te agrada, com a consciência empenhada, sem te esconderes da responsabilidade. Com a minha ajuda, quando quiseres.
Só tu podes ser tutora do teu devir. De cada vez que o amanhecer se anunciar, é um dia inteiro que te é dado a agarrar com as mãos. Usa as duas mãos e toda a força ao teu alcance. Até para aqueles momentos que parecem superficiais, os momentos que podíamos dizer que são inúteis para uma qualquer utilidade futura: pois esses momentos fazem parte das coisas desimportantes da vida a que temos de saber dar a importância que eles têm – mas sem nunca, mas mesmo nunca, deixarem de ter a fina espessura das coisas que nos parecem desimportantes. Não forjes o tempo que te espera; espera por ele, espera que ele repouse na serenidade do teu colo e depois faz com ele o que for do império do teu contentamento.
Celebra o décimo-quarto aniversário com a certeza de que não o festejas outra vez. Nem que essa seja a coisa mais banal que te é dada a saber no dia do aniversário. Pois dizer “parabéns, minha filha!”, é do mais importante que as minhas palavras podem angariar. E isso, é certo, é o contrário de uma coisa banal.
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