31.10.18

Ruibarbo (short stories #58)


Thom York, “Suspirium” (live BBC Radio 6 Music), in https://www.youtube.com/watch?v=ISkEKLYRxi0
Notícias de última hora: segue-se uma espera, tingida pela angústia – quando se anunciam “notícias de última hora”, costuma não sair esboço de coisa repetível. Talvez sejam as palavras que não chegam a ecoar nos ouvidos. As palavras retidas nas muralhas do pensamento. Elas, e não as notícias de última hora, açambarcando o sobressalto que faz acelerar o coração. E, todavia, alguém liberta o rumor que a meia-noite deixará de ser a fasquia que o novo dia tem de dobrar. Outros ciciam, e fazem circular de boca em boca, a ideia de castrar as ideias tresmalhadas, ou que assim sejam consideradas por um júri de eminentes catedráticos (desse modo entronizados no lugar que sempre foi seu sonho). Sobram, pelo caminho, os estilhaços do modernismo, destronados pela dúvida existencial do que será o tempo moderno e de como se aparta do seu antecessor e do pós-modernismo que se há de seguir. Numa esplanada, alguém ouve dizer que ouviu dizer que outrem segredou mal disfarçado segredo ao ouvido do homem da bomba de gasolina, segundo o qual corre à boca pequena, de acordo com fontes muito bem informadas, que o prémio Nobel da física deste ano não ver ser atribuído. E as pessoas por quem o rumor correu acabam-se interrogando (em se achando leigas na matéria) sobre o interesse da notícia. Num jornal quase clandestino vem a apologia do apocalipse, com elaborado exercício de cabalística que adivinha, com precisão matemática, a hora, o minuto e o segundo do decesso do mundo. Podem ser as palavras que não ecoam aos ouvidos, surdamente vociferadas no teatro mental onde o pensamento se perde. Ou pode ser, apenas, a vontade súbita de preparar uma tarte de ruibarbo. (Para os que não sabem, o ruibarbo é um vegetal de difícil demanda no mercado nacional.) O que afinal importa são os acessos de loucura que desenham a vontade, no bordão clandestino que não se oferece ao olhar público, por imperativo de pudor. Os atalhos que transbordam do eu conhecido. Neste recolhimento, saboreio a tarte de ruibarbo ainda quente, polvilhada pelo creme inglês acabado de fazer. Não contem comigo para as empreitadas solenes. Contento-me com a incorrigível grandeza das coisas simples, das que são propedêutica lição do império da vontade.

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