4.10.18

“Nas minhas barbas!”


The Breeders, “Spacewoman”, in https://www.youtube.com/watch?v=oVk4xRdD5MA
Fugíamos a bom correr da professora de francês, só porque ela dobrou a esquina que dava acesso ao corredor das salas de aula no exato momento em que soava o segundo toque (aquele toque da campainha que selava a não comparência de um professor). Fugíamos: nenhum de nós desdenhava uma gazeta e, no caso da avançada cinquentenária professora de francês, não teríamos de conviver com os perdigotos esgravatados para cima do rosto (por isso, já ninguém oferecia as suas dúvidas), nem com a pose esdruxulamente obscena em que se colocava quando insistia em ensinar in loco, sobre a carteira de um de nós, empinando o rabo na direção dos outros que se encontravam na retaguarda do aluno com necessidades momentâneas de esclarecimento.
Fugíamos, mas não era porque não apreciávamos as aulas da professora de francês. Sabíamos que tínhamos de saber um módico de francês. A professora ensinava bem (descontando a teimosia em se debruçar sobre a carteira de um de nós, com o rabo proeminentemente erguido sobre o olhar já não desprevenido dos que estavam atrás). Fugíamos, porque da primeira vez que fugimos, ao menor atraso da professora, ela começou a correr na nossa direção e, com o vozeirão que era seu apanágio, protestou, para nosso deleite: “nas minhas barbas! Nas minhas barbas!” – vertendo a sua indignação por fugirmos quando ela acabava de dobrar a esquina e fazia notar a sua (atrasada) presença.
Daí para a frente, não perdoávamos o menor atraso. Contávamos os segundos (trezentos) entre o primeiro toque e o segundo toque da campainha. Se preciso fosse, rezávamos para que a professora de francês se distraísse na conversa com outras colegas na sala dos professores e se esquecesse das horas. Só para a ouvirmos dizer : “nas minhas barbas! Nas minhas barbas!” Era a paródia total. Por mais que procurássemos, a professora não tinha barbas. Nem sequer umas avulsas pilosidades, como às vezes acontece com mulheres mais descuidadas. Naquela altura, fazíamos de conta que não sabíamos o que era uma metáfora. 
A professora de francês ficou conhecida como a “mulher das barbas”. Chegou ao seu conhecimento a alcunha com que a cunhámos. Nunca mais se atrasou. Para pecúlio da nossa tristeza.

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