10.10.18

Do salitre que há em minha pele (short stories #44)


Trentemøller, “Come Undone”, in https://www.youtube.com/watch?v=c3SDpsPPepY
          A voz tonitruante assoma à pele em forma de lobo esfaimado. Não se trata de uma cavernosa deriva, dos dentes selvagens tomando pelo cachaço, e com violento desenho, o mundo sem espera. Não. Cuidassem os mensageiros do zelo com que resguardam os cais dos assaltos oportunistas, cuidassem de polir as palavras com o encardido vernáculo (se preciso fosse) para se libertarem das peias em que se consomem. Eu prefiro ter a pele saldada no salitre imenso e dela fazer refúgio para a noturna convocatória dos sonhos. Obtenho vencimento nos pleitos que quero relevantes. Dos trunfos faço as costuras que são minha delimitação. O salitre que há em minha pele não é agressão; é tempero. Visto à lupa, encontra-se a pele irregular, preenchida por uma constelação de pequenos cristais que, à vista da lupa, parecem grãos com tamanho para encravar engrenagens. Não é essa a serventia do salitre. Salto da ponte, na verticalidade de um sonho desassombrado, e trago às mãos o caudal inteiro. Não o quero como manancial das lágrimas. (Não querendo dizer que enjeito as lágrimas; não aspiro à condição de super-homem, nem sou da colheita dos empedernidos.) Tempero a água com o salitre do corpo que nela se banha. E faço perguntas, perguntas a eito. Perguntas às perguntas. Sonho com as perguntas que, por serem alinhavadas em sonhos, depois não consigo formalizar. Na varanda com periscópio sobre o mar, apenas sei que na outra extremidade encontro terra firme. Não sei de que nome é feita essa terra, nem sei das suas cores e de que desenho se compõe a paisagem. Mas sei que a maré tumultuosa há de levar o salitre da minha pele que tomou o mar como sua imersão. E que o salitre que houve em minha pele irá desaguar na terra semeada na distância imensa que separa as orlas do mar. Tomo praça, no testemunho do salitre vertido pelo meu corpo, nas terras que a elas se abraça o salitre despojado. Para meu domínio delas fazer, mesmo não sabendo de seu paradeiro – mesmo não tendo delas a mínima noção.

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