30.10.18

Palmatória (short stories #57)


Nine Inch Nails, “Everyday Is Exactly the Same”, in https://www.youtube.com/watch?v=ZXN1PB_M3uo
          Dar a mão: a humildade metódica, criteriosa, no arrumo das certezas na putrefata sepultura das coisas datadas. Não há púlpito para a razão. Continua a ser melhor sinal o das interrogações que não deixam de medrar no intenso céu onde mentes desassombradas continuam a aprender, crescendo com a aprendizagem. Não é cometimento fácil, dar a mão à palmatória. É preciso saber que não se sabe, empreitada pesada num tempo em que muitos são sabichões com aspirações a eruditos e os asnos parecem ter sido eclipsados. Porque a erudição confere estatuto e muita gente esgrime espaço vital pela obtenção de estatuto; e porque os saberes estão pelo preço da democracia, acessíveis ao comum dos mortais. A soberba cresce na exata proporção dos instrumentos disponíveis que dão guarida ao conhecimento. Na rivalidade de saberes, pesa a necessidade dos saberes de um se arquearem sobre os saberes dos outros. Não interessa que seja o somatório dos saberes, e a disposição de partir em demanda deles, que conte como sinal de maturidade. Uma verdade costuma ser categórica, com alicerces de ferro e, todavia, é frágil como papel à espera da chuva. Quando esta verdade é deposta, o detentor não se considera órfão; interiormente, considera-se despojado de bússola, mas não o admite, não o pode admitir. A verdade desfeita equivale a derrota. O que só acontece na medida da confiança excessiva depositada nas verdades, quando se devia dar à alavanca, na bolsa de valores dos valores, às interrogações – à possibilidade, sempre em aberto, de aprendermos com os conhecimentos de que outros são portadores. Dar a mão à palmatória é uma expressão idiomática que desapareceu de circulação (com notáveis exceções, dignas de um ato de coragem que não é valorizado). Se se olhar em volta, é quase só rostos emproados, gente dotada de uma inteligência acima da média – tão acima da média que a própria média perdeu sentido, como banais são os peritos em tudo-e-mais-alguma-coisa. Enquanto predominarem os “tudólogos” (peritos da ciência da “tudologia”, ou os que de tudo sabem), estaremos sitiados pelos apedeutas maiores: aqueles que, em o sendo, se reconhecem como garbosos porta-vozes da sabedoria.

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