Ao ler relatos da conferência de ontem, a sensação é agridoce. Por um lado há iniciativas louváveis. Em contrapartida, outras propostas são encaradas com alguma perplexidade (o inusitado desmantelamento do sigilo bancário para feitos fiscais). Em termos gerais, o principal motivo de decepção vem da ligação entre a mudança necessária e uma postura diferenciada do Estado.
As empresas sentem amiúde a sua iniciativa tolhida pelos obstáculos impostos pela presença excessiva do Estado. Por isso, os empresários são sensíveis a uma presença menos visível, menos obstrutiva, por parte do Estado. Assim se compreende que estes sectores reclamem do Estado uma postura menos interventiva, julgando que o reforço da sua competitividade passa por uma diminuição das barreiras levantadas pelo Estado. Mas, por outro lado, as atenções continuam excessivamente centradas no papel do Estado. As empresas deviam desviar a sua atenção para o impulso que elas, como representantes da sociedade civil, podem dar para o desenvolvimento do país.
Inquieta-me observar que agentes tão proeminentes da sociedade civil não resistam ao rebaixamento perante a suposta relevância do Estado. Neles parece ser difícil prosperar um frémito de mudança. E assim continuamos mergulhados num velho problema que nos destrói: sempre o Estado, para o mal ou para o bem, mas sempre o Estado como peça central do jogo em que todos os outros actores se colocam voluntariamente numa posição secundária. Não é este o caminho para que a sociedade civil funcione como o motor da mudança.
A ideia mais positiva da conferência prende-se com uma proposta que associa as despesas públicas às receitas fiscais necessárias para o seu financiamento. De acordo com esta proposta, “o orçamento de Estado deve mostrar que carga fiscal será necessária para pagar todos os custos assumidos pelo Estado com repercussão futura. Esta análise de redistribuição temporal da carga fiscal dos contribuintes deverá ser feita todos os anos, em anexo ao orçamento. As contas geracionais estimam o valor actual que cada contribuinte terá de pagar de imposto ao longo da sua vida e os benefícios de que vai usufruir”.
As virtudes são inumeráveis. O actual quadro mental seria destruído. Deixaria de se avançar no escuro para projectos que implicam a assunção de despesas, mesmo sem saber se no futuro haverá receita necessária para o respectivo financiamento. Com esta postura, a mentalidade vigente que norteia um comportamento irresponsável dos agentes políticos seria alterada. Não haveria lugar a quem cauciona a atitude do “gastamos sem ter dinheiro”, porque o encargo será pago algures no futuro, por alguém que não conhecemos, sem ser necessário apurar o sacrifício que daí resulta.
No rescaldo fica a pairar no ar a sensação de déja vu. O balanço da “Iniciativa Portugal” trouxe-me a recordação do Relatório Porter, divulgado há mais de dez anos. Tal como então, parece que o receituário para a prosperidade do país se mantém, com meras alterações de pormenor. Se isto é sinal de falta de imaginação da geração mais jovem de empresários e altos quadros, ou se é apenas sinónimo de letargia nos anos que medeiam entre o Relatório Porter e a realização desta conferência, é uma dúvida que permanece cintilante na linha do horizonte.
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