5.2.04

Pela legalização das drogas?

Com estridente amplificação, a notícia que centenas de toxicodependentes foram ontem presos no Largo do Intendente, em Lisboa. Com sonora difusão, mais uma imagem da perseguição que o Estado, em nome dos bons costumes e da moralidade instituída, faz ao consumo de estupefacientes. Logo a seguir a RTP recuperou imagens de uma reportagem difundida há meses. A reportagem retratava o momento chocante de ver, estendidos pelo chão, esses autênticos “farrapos humanos” que são os toxicodependentes. Numa embriaguez colectiva, sem pudor, espetando em público a heroína nas suas causticadas veias, apoquentando as almas chocadas que com eles se cruzam.

Confesso que este “triste espectáculo” não me choca. Vi-o pela primeira vez em Amesterdão, há quinze anos. Apenas fiquei admirado por ser a primeira vez que testemunhava em público uma pessoa a injectar heroína. Admito que esta opinião pode ser vista como uma manifestação de insensibilidade. Outros poderão invocar o seu direito à dignidade, para censurar os toxicodependentes que não se preocupam em saber se estão a atentar contra a sensibilidade das pessoas que com eles se cruzam. Outros poderão dizer que não exprimir indignação perante a provocação dos toxicodependentes é alimentar a degradação moral em que a sociedade contemporânea está mergulhada.

Contraponho: mais importante é respeitar a liberdade individual. Mesmo que ela conflitue com a liberdade de outras pessoas se sentirem ofendidas perante o que para elas é um aviltante espectáculo. Num conflito de interesses individuais, prefiro dar vencimento ao que exprime um direito de fazer e sacrificar o interesse individual que exprime objecções àquele direito de fazer, empurrando para uma solução que amputa este direito.

A solução desta “chaga social” passa pela legalização de todas as drogas. Legalizar as drogas permitira não só colocá-las no mercado a um preço mais baixo, como também seria um contributo importante para que as drogas adulteradas deixassem de existir. Drogas adulteradas que são, na actualidade, causa de tantos óbitos por overdose entre os toxicodependentes. Admito que esta solução tem um custo imediato: perante a euforia colectiva que se seguiria à legalização, o consumo iria aumentar (não só o número de pessoas, mas também o consumo por pessoa). O que poderia conduzir a mais mortes. Acredito, porém, que no longo prazo as gerações futuras iriam olhar com maior distância para estas substâncias, contribuindo para um mundo mais “higiénico” para gáudio dos moralistas de serviço sempre prontos a sentenciar sobre os “comportamentos desviantes”.

Uma pergunta fica no ar: porque motivo a sociedade se insurge contra estas drogas (duras ou leves) e deixa passar com impunidade outras drogas que são até motivo de sagração popular (o álcool)? Não estamos perante substâncias que provocam, todas elas, habituação, que desgraçam famílias, que podem mesmo levar à morte? Porque continua a sociedade a ser hipócrita e insiste em ter dois pesos e duas medidas?

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