4.2.04

Higiene mental

Quando se é puxado aos limites de um conflito, surge o dilema: embarcar no conflito ou fazer funcionar a diplomacia para o evitar? Há, nesta dúvida, um sentimento de desconforto que atravessa as consequências de qualquer uma das opções. Trata-se de um difícil equilíbrio. A decisão, qualquer que ela seja, traz consigo um sacrifício ligado à opção que é preterida.

Alinhar no conflito pode ser tentador, sobretudo quando se ajuíza que a apatia é sinónimo de vitória do outro. Mais ainda quando o outro fica a pairar com a sua sobranceria, com a nítida vontade de vincar a humilhação que a derrota significa. Mas embarcar no conflito é um processo desgastante. Alimentar o conflito na expectativa de sair vencedor pode trazer o fogo-fátuo da ilusória vitória. Uma vitória que não é recompensada pela corrosão do tempo, pelo mal-estar que se instala, pelos danos colaterais que as pessoas mais queridas são chamadas a suportar. São custos muito elevados para saborear o imaterial gosto de uma vitória que pode nem sequer chegar, quando o conflito se adelgaça no fio do horizonte.

Parece que a melhor opção é contornar os obstáculos do conflito. Geri-lo com perícia, ou mesmo evitá-lo – ainda que esta fuga possa significar a capitulação à partida. O custo é prescindir do orgulho ferido quando escapamos do conflito. A penalização depende de quanto maximizamos o orgulho ferido, de quanto encaramos essa ferida como um golpe que arrasta uma dor insuportável. Uma dor que é sentida de forma diferente por cada pessoa. Mas uma dor, um mal-estar evidente que emerge quando alguém escapa de um conflito. Sobretudo quando esta fuga implica uma sensação de covardia, de alguém que mete o rabo entre as pernas e foge do problema para não ter que tolerar os custos inevitáveis que são uma exigência da defesa da honra afectada.

Há outra alternativa para lidar com o conflito. Passar por cima dele, sem que haja uma fuga covarde que represente rendição. A alternativa será não dar importância a quem nos quer arrostar num conflito. Para evitar a angústia de estar mal com alguém. Para evitar a angústia de estarmos mal connosco mesmos por estarmos engalfinhados com o outro. Sem que isto signifique dar o flanco e assim golpear o orgulho que possa estar ferido.

A incerteza acentua-se mais ainda quando pensamos se faz sentido dar valor a um conflito, ou quando surge a dúvida sobre a existência do conflito. Quantas vezes é a ilusão criada na mente que faz nascer situações conflituosas onde elas não existem? É a necessidade de encontrar alguém que seja o adversário que origina estes conflitos imaginados. É, em suma, a génese bélica do ser humano. Que o faz inventar divergências, rapidamente transformadas em conflitos, por haver o cansaço do bem-estar quando se está de bem com o mundo.

Estranha sensação, em que o paradoxo do bem-estar leva a encontrar uma saída que traz o conflito e substitui o bem-estar pela angústia permanente que é o resultado de estar mal com o mundo. Porque existe esta tentação de encontrar o abismo e partir em busca do lado mais cinzento da vida? Justamente aquela faceta que nos faz pessoas taciturnas e nada, mesmo nada, atraentes para quem nos rodeia.

O conflito é uma banalidade. É a negação da individualidade que habita em cada um de nós. Porque o conflito é uma consequência da sociabilidade forçada a que somos impelidos pelas convenções estabelecidas.

Digo que o conflito aniquila o “eu” que vive dentro de mim, porque traz o outro que de mim diverge e liquida o bem-estar que só eu, dentro de mim, consigo sentir. É uma perda de tempo. Não há orgulho interior que possa vingar a sede de um conflito. Palavras como “vitória” e “derrota” são palavras vãs, insignificantes quando pesadas na mesma balança do bem-estar individual.


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