16.2.04

Mais atropelos às liberdades individuais (II): telemóveis e Internet

O governo manifestou a intenção de vigiar as comunicações, efectuadas por telemóvel ou através da Internet, de quem seja suspeito de certos crimes. O governo vem proclamar a necessidade de tais controlos em homenagem a interesses públicos que coincidem com a segurança colectiva. Tenta passar a mensagem que todos devemos condescender com a potencial intrusão da nossa esfera íntima. Ao darmos caução a esta intromissão estaremos a abonar padrões de maior segurança de que todos seremos beneficiários em última instância.

Pode-se até dizer que “quem não deve não teme”. Para quem não pretende estar envolvido em actividades ilícitas, a proposta da limitação das liberdades individuais do governo é compreensível e aceitável. O problema é que por erros de investigação, outras vezes por acidentes de percurso, inocentes são transformados em suspeitos. Neste caso, alguém que está de consciência limpa poderá a todo o momento ver a sua liberdade individual violada através do açambarcamento de dados íntimos que constam das conversas efectuadas através de telemóveis e (agora é a novidade) até através de dados transmitidos através da Internet (correio electrónico, chats, etc.).

Em meu entender, não merece a pena o sacrifício das liberdades individuais em nome de uma suposta segurança colectiva. Primeiro, porque tais preocupações securitárias podem esconder uma maior interferência na vida íntima de cada cidadão. Será uma forma de manter sitiada a sociedade em que vivemos. Segundo, porque a margem de discricionariedade implícita na proposta governamental encerra um capital de perigo. Receio que esta discricionariedade se transforme em pura arbitrariedade. Sem que existam meios eficazes para fiscalizar estes abusos de poder que as autoridades poderão cometer a todo o momento.

No rescaldo destas situações abusivas, quem fica a perder é a liberdade individual, por ficar desprotegida contra o longo braço da autoridade. Estamos assim num limiar entre o Estado de direito e o Estado polícia, que se mascara com as vestes do primeiro mas é, na prática, uma mera silhueta que vem perdendo o conteúdo de um verdadeiro Estado de direito.

É indiscutível que o centro-direita no poder tem passado dos limites, atropelando os direitos individuais, não hesitando em reforçar a autoridade do Estado. O que é suficiente para reprovar com veemência esta postura, verberando esta direita que não se consegue distinguir do intervencionismo das esquerdas. Contudo, esta linha de orientação não é um exclusivo desta direita. Sem resvalar para o terreno escorregadio da especulação, acredito que a esquerda moderada (de onde têm surgido as maiores críticas a estas propostas governamentais) teria um comportamento semelhante se estivesse no governo. Basta ver que Blair – ainda assim o farol inspirador da “terceira via” na qual se revêem muitos dos acólitos nacionais da esquerda moderada – não hesitou em emular os excessos securitários que começaram nos Estados Unidos após o 11 de Setembro de 2001.

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