3.2.04

A “pedagogia” dos desenhos animados

Na habitual espera num consultório médico, partilhava o espaço com sete adultos e uma criancinha. Na televisão passava no canal 2 um programa que não era do agrado da criancinha. Protestou, exigiu da mãe que se mudasse para o canal 16, o canal Panda. A funcionária do consultório começou a correu, um a um, os canais televisivos. Não era o 16, mas sim o 22. Fez-se a vontade à criancinha, para insatisfação de alguns dos adultos presentes que não conseguiram esconder um esgar de enfado pela mudança de canal. É a democracia no seu esplendor. Saciar a vontade da criancinha, impondo o sacrifício à vontade das outras sete pessoas que ali estavam.

O canal Panda oferecia um desenho animando que, acredito, constitui o exemplo típico dos desenhos animados que as nossas crianças consomem. Digo isto porque não tenho por hábito sintonizar canais onde estejam a passar programas infantis. Mas, pelo que é possível ler ocasionalmente na comunicação social, o desenho animando que estava a ser transmitido deve encaixar no protótipo.

Concentrei-me na televisão, para apreciar o desenho animado. Não vou dizer que os desenhos animados que via na infância eram melhores. Os tempos mudam e com eles alteram-se os padrões estéticos que se impõem sobre a audiência infantil. Vi e não gostei. Como não assisti nem ao início nem ao final, não pude confirmar se era um desenho animado japonês. Pela aparência, pelas figuras e a forma como são desenhadas, fiquei com a ideia que era daqueles desenhos animados provenientes do Japão que fazem tanto furor entre as crianças.

O que me deixou atónito foram os monstros que habitavam o desenho animado. Bem sei que as crianças têm que ser educadas, de novas, na distinção entre o bem e o mal. A isso voltarei daqui a pouco. Tenho para mim, no entanto, que é de um gosto duvidoso preencher o imaginário das crianças com monstros de feições horrendas, adicionando uma aura de violência quando estes monstros tentam liquidar os bons da fita.

Pensei: quando era pequeno tinha pesadelos por muito menos. E interroguei-me se as crianças de agora, ao darem de caras com esta nova geração de desenhos animados, conseguem ter sonos tranquilos, sem serem atormentadas por pesadelos que terminam num pranto de lágrimas depois de uma terrífica visão de monstros e monstrozinhos que ficam agarrados ao seu subconsciente.

Também pude constatar que há a preocupação pedagógica de educar as crianças na separação entre o bem e o mal. É inevitável que as criancinhas sejam inculcadas numa mensagem do bem vitorioso, derrotando o hediondo mal que cede sempre perante as virtudes associadas ao bem. Não há melhor maneira de iludir as crianças logo desde a tenra idade. Não há melhor maneira de causar esta hipnose infantil, criando expectativas num futuro risonho. À medida que crescem, as crianças cedo concluem que o mundo não é o conto de fadas narrado pelos desenhos animados.

Pergunto-me se não é este lugar de alienação colectiva que leva, mais tarde, à confusão entre o bem e o mal. Como se “bem” e “mal” fossem conceitos incontestáveis, com fronteiras bem nítidas. Assim se entende que, tantas vezes, o desconforto pelo bem inalcançável leve tanta gente a encaminhar-se pelo “mal estabelecido”. É a derrota da pedagogia dos desenhos animados, que não podem passar do que realmente são – puro entretenimento, um lugar à fantasia, uma porta aberta para mundos imaginados.


1 comentário:

Rafael disse...

Eu acredito firmemente que os desenhos animados são uma maneira de passar uma mensagem. Se a mensagem é boa ou maléfica, não sei ainda, mas com certeza passam alguma mensagem. As pessoas deviam se alertar a isso.