9.3.04

Aniversários: a miragem do tempo

Quando o calendário dobra mais uma folha do aniversário, há a tendência para fazer balanços de vida e projectos de futuro. Prometemos reincidir naquilo que julgamos que ser exemplar e mudar o que menos gostamos. Esforçamo-nos, neste exercício de introspecção, por alterar aqueles traços do comportamento que mais nos desgostam. Os aniversários sucedem-se e tantas vezes reiteramos promessas íntimas de mudança. Mas quantas vezes a introspecção não vai além do dia de aniversário? Porque no dia seguinte tudo volta ao curso normal da vida. É um instante fugaz, não sei se lucidez ou desesperança por ser diferente do que sou, por ansiar atingir algo que não sou e que no íntimo gostaria de alcançar.

À memória vêm os anos da adolescência. Um tempo que nunca mais passava, afogueado pela ansiedade de chegar aos dezoito anos. Um acto contido de rebeldia, na pressa de alcançar a maioridade com a ilusão de que tudo então seria diferente. Como se o direito ao voto trouxesse consigo, num passo de gigante, uma súbita maturidade. Esses anos nunca mais passavam, até ter atingido dezoito. Nesse tempo o tempo passava lento, como se o objectivo da maioridade, que tinha traçado como uma meta grandiosa, nunca mais chegasse até mim.

Passados outros dezoito anos desde essa data, custa-me verificar como o tempo andou tão depressa. Quando olho para trás sinto que o tempo não foi igual até aos dezoito e nos dezoito anos que se seguiram. Parece-me que o relógio andou descompassado, como se nos primeiros dezoito um minuto tivesse 120 segundos e nos dezoito anos seguintes passasse a ter apenas 30 segundos.

É nestas ocasiões que sentimos como o tempo passa com uma vertigem que não conseguimos detectar no dia a dia. São os instantes que se sucedem e que julgamos não serem momentos perdidos para o álbum da vida. Sinto então que o tempo passa pela vida como uma miragem. O tempo futuro é um buraco negro que nos reserva surpresas, boas e más. O tempo que passou já não pode ser reconstruído. Nem resta verter lágrimas pelo tempo perdido nem tão pouco arrastar a memória pelos momentos bons que o passado nos reservou. Pura e simplesmente, o passado está enterrado.

E mesmo assim não posso deixar de sentir o desconforto do tempo que passa sem que o possa agarrar, como um vento agreste que se escapa entre os dedos que se esforçam por o capturar. Às vezes gostava de ser o senhor do tempo, mas não para imortalizar momentos saborosos que depois se perdem com a memória. Ainda que se teime em ser nostálgico, em saborear esses momentos passados que tantas alegrias trouxeram, a repetição da memória desgasta a beleza desses momentos. Perdem significado com a história, perdem-se nas cinzas do passado.

É por isso que os “balanços de uma vida” são exercícios inúteis. Muita gente contestará esta asserção, alegando que aprendemos com o nosso passado. Não é isso que interessa. Porque o passado é irrepetível – a menos que o forjemos propositadamente e descarrilemos para situações passadas que representam auto-flagelações. Capturar o tempo que já passou é uma tarefa impossível. Tentar aproveitar o tempo que ainda vai demorar-se na nossa vida é o verdadeiro desafio com que importa lidar. O contrário é viver agarrado ao tempo passado, como se ele fosse nutriente para aquecer uma alma incendiada pela desconfortável sensação de que o tempo tem uma voracidade que consome a própria vida, tão frágil e temporária.

O tempo refracta-se no espelho, mas o espelho que está à nossa frente esconde, atrás de si, o verdadeiro tempo que nos interessa aproveitar. O tempo futuro, o exame incessante da felicidade.

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