15.3.04

Ecos das eleições em Espanha

A vitória do PSOE não terá sido uma surpresa total, face aos acontecimentos das 48 horas antes das eleições. Os atentados de 11 de Março e a gestão desastrosa do governo espanhol terão enterrado as aspirações de uma vitória eleitoral do PP. Este caso é paradigmático para os politólogos, pelas consequências de uma estratégia de comunicação autista associada a uma ganância eleitoral desmedida. Foi o PP que deu um tiro no próprio pé. Eis como, por imperícia, um cenário risonho se pode transformar em poucas horas num verdadeiro pesadelo.

Mais do que uma vitória dos socialistas, ela aconteceu porque os populares capitularam perante a sua gestão desastrosa dos dias que se seguiram às bombas. Foi o PP que perdeu as eleições, num haraquiri de que o PSOE não estava à espera. O que acaba por ser cínico. Porque a estratégia de deliberadamente empurrar as culpas para a ETA teria como intenção arrepiar caminho a uma vitória esmagadora. O tiro saiu pela culatra, já que o tempo foi aziago para o sucesso desta estratégia. Os acontecimentos sucederam-se a uma velocidade vertiginosa e o governo espanhol rapidamente passou de bestial à besta que teria que ser sacrificada no altar das urnas.

Este exemplo é também sintomático de como os eleitores fazem as suas escolhas com base na emoção e não na razão. Se é verdade que uma semana antes todas as sondagens atribuíam a vitória aos populares, e se é verdade que o líder do PSOE (Zapatero) sempre teve a sua popularidade pelas ruas da amargura, os resultados de ontem só se explicam como um veemente cartão vermelho ao PP. A vitória dos socialistas acaba por ser uma consequência colateral da censura eleitoral imposta ao PP.

O que me leva a questionar a genuinidade das escolhas feitas através do depósito do voto na urna, pelo menos de todos aqueles que votam em alguém não por sentirem afinidade com esse partido ou candidato, mas antes para varrer do poder os que lá se encontravam. É o império do voto negativo. Supõe-se que quando alguém vota sente uma identificação mínima com o candidato, o partido e o programa. Mas quantas vezes estes factores são relegados para segundo plano, porque os cidadãos vêm no voto um poderoso instrumento para afastar quem detém o poder?

Vota-se não por acreditar que quem recebe o “voto de confiança” tenha capacidade para construir algo de diferente. É apenas um meio de exibir o cansaço da governação, expelindo do poder as pessoas e partidos que até às eleições detiveram o poder. O “voto com os pés” (expressão utilizada pela ciência política) desvirtua a genuinidade das eleições. Em vez de se sublinhar a crença naqueles que vencem apenas emerge a sensação de que houve a intenção de punir os derrotados.

Para aqueles que estão esfusiantes com a vitória do PSOE, era bom que deixassem de aparecer como cultores de uma pretensa consciência mundial que sanciona as eleições onde a população foi inteligente e censura outros actos eleitorais onde os eleitores não revelaram tanta inteligência, apenas porque os resultados não foram favoráveis aos seus gostos. Dois exemplos bastam: quando Haider e os neo-nazis chegaram ao poder na Áustria, e quando Le Pen conseguiu disputar a segunda volta das presidenciais francesas. Em ambos os casos a “esquerda bem pensante” não se cansou de exibir o seu estado de choque, nem hesitou em desrespeitar a vontade popular de austríacos e franceses, como se pudesse sobrepor a sua “boa consciência” às decisões expressas nas urnas. Nisto estas esquerdas e os que agora exibem tristeza pela inesperada derrota do PP não se distinguem.

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