19.3.04

O mistério da vida que se forma

São oito semanas, ainda. Oito semanas, uma imagem ainda escura, mas já com algumas formas bem nítidas. Um feto que se encontra oblíquo, de cabeça para baixo. Com nitidez, o cordão umbilical que o liga à vida, que lhe traz a rodos os nutrientes necessários para uma gestação saudável. Por entre as imagens que ao início apareciam distorcidas, finalmente a pureza do embrião. Como quem sai a custo de um pesadelo cansativo e descobre, ao acordar para a vida, que a aspereza do sono ficou para trás. Uma aurora que desmente o pesadelo. A revelação de imagens mais límpidas é um bálsamo que descansa uma recôndita preocupação que podia pairar no íntimo.

Uma vida a pulsar dentro do ventre da mãe. Com a ajuda da tecnologia, as primeiras medições confirmam as oito semanas de vida. Um comprimento de 15,5 milímetros – pouco mais do que um centímetro, a frágil dimensão de uma vida que prospera abrigada na barriga protectora da mãe.

Entretanto um pequeno sinal anuncia o seu minúsculo coração em batidas compassadas e aceleradas. O coração bate, estonteante, a 174 pulsações por minuto. As emoções ao alto. Um arrepio a percorrer a espinha, as sensações elevadas a um ponto indizível. O arrepio culmina com os olhos marejados de emoção. Por saber que um filho tão desejado dá os seus primeiros passos de uma gestação que parece passar lenta. Suspeito que estes nove meses vão ser os nove meses mais longos da minha vida.

O coração do pequeno bebé, que de início surgia apenas como uma palpitação incandescente bem no meio do pequeno corpo, foi depois alimentado de som. Outra vez com o auxílio da técnica, pude ouvir o ritmo apressado do pequeno coração. Uma torrente de felicidade invadiu todos os meus poros, por saber que o ser que está dentro da barriga da mãe está vivo. Foi como se a ecografia funcionasse como a primeira comunicação entre o filho em gestação e os seus tranquilizados pais. As primeiras palavras produzidas através da sonoridade rítmica das batidas do coração, uma mensagem entusiasta sossegando os pais, dizendo que a vida fetal percorre o seu caminho normal.

Parecem momentos triviais, sem carga emotiva. Será para quem nunca passou por eles, ou para quem já se esqueceu dessas sensações ímpares que naqueles breves minutos transbordam os níveis de bem-estar. Por mais que estivesse para aqui a tentar descrever as sensações, por mais fidedigno que tentasse ser, a tarefa ficaria sempre incompleta. Porque há uma enxurrada de emoções que as palavras não conseguem captar. A desproporção entre a felicidade vivida – a enorme felicidade vivida – e os poucos minutos em que o exame se desenrola são a matéria viva que alumia a impossibilidade de descrever tudo o que senti interiormente.

As imagens a preto e branco, ofuscadas por sombras do útero materno, escondem um segredo bem guardado. Uma candeia traz uma imagem preciosa. Uma candeia que ilumina as indicações do ouro mais precioso que o amor paternal e maternal pode conceber. Um projecto de vida, os traços que se começam a esboçar para uma nova vida.

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