30.3.04

A psicose dos atentados: a nossa vez?

A insegurança redobrou de intensidade desde os atentados de 11 de Março em Madrid. Perfilhando a batalha desigual contra um inimigo sem rosto que se multiplica como cogumelos e que ataca de forma imprevisível, onde menos se espera, agora é a nossa vez de começar a deitar contas à vida. Há uma questão que tem subido de tom, depois do terror espalhado em Madrid: seremos os próximos? Madrid é ali ao lado. Afinal Portugal hospedou a cimeira dos Açores onde foram alinhavadas as últimas coordenadas para a ofensiva do Iraque. Não podemos esquecer que em pouco mais de dois meses o país vai concentrar três eventos de exposição mundial: o 13 de Maio em Fátima, o Rock in Rio e o campeonato europeu de futebol.

Não surpreende que na comunicação social o tema da segurança interna seja recorrente. Aventam-se os mais fantasiosos cenários. Se dias há em que parece que a psicose alimentada por jornais e televisões parece ter sido esquecida, eis que chega outro dia com novas informações, com novos motivos de inquietação. Regressa a psicose e os portugueses começam a ficar alarmados com a possibilidade de o pequeno-e-tranquilo-país-à-beira-mar-plantado vir para a ribalta pelos piores motivos.

Confesso que não compreendo esta campanha da comunicação social. Os governantes já anunciaram, por mais do que uma vez, que não há ameaças credíveis. Por uma vez devíamos confiar no que nos dizem as pessoas do governo (por mais que desconfiemos da sua competência). De que serve esta campanha que, em vez de alertar os cidadãos, apenas contribui para o alarmismo? Parece que a comunicação social, sedenta por agendar temas apetitosos que vendam o produto, prefere perverter a sua função de informadora sensata e opta pelo sensacionalismo barato. É uma virose que atinge, sem distinções, os vários órgãos de comunicação social. Todos alimentam a histeria colectiva que se começa a instalar.

Pergunto-me se não será este o resultado desejado pela comunicação social. Afinal não é ela que tem pautado a sua conduta por uma busca incessante de sangue (sabendo que é de sangue que o cidadão médio gosta)? Com tanto esforço imaginativo para tentar tirar da cartola mil e uma possibilidades de ataques terroristas, mais parece que é este o desejo da comunicação social. Até parece que anseia por ataques terroristas, para depois se convocar a solidariedade que unirá o país num pesaroso movimento de unidade por devoção às vítimas. Como se fosse necessário atirar o país para o fundo para, rastejando em procura das energias quase perdidas, reabilitar a auto-estima nacional. Estranha forma de aquilatar o devir do país: será preciso empurrá-lo para a desgraça para se voltar a fazer luz?

Ao patrocinar esta psicose colectiva que se vai edificando, a comunicação social não está a prestar um bom serviço. Em vez de assumir a sua vocação pedagógica, indissociável da função informadora, os órgãos de informação estão a confundir o alerta da população com o alarme generalizado. Faria sentido alertar a população caso viessem à superfície ameaças credíveis. Como não é o caso, trata-se de um gratuito alarme que tem os efeitos nefastos de adensar o medo que vai habitando dentro de cada cidadão que embarca nas patranhas dos jornais, televisões e rádios.

Estes, quais abutres ansiosamente à espera de debicar o cadáver, esperam pelo pior cenário possível.

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