10.3.04

As pérolas de Sousa Franco

Acordar bem cedo pela manhã e ligar o rádio pode encerrar surpresas desagradáveis. Daquelas que nos fazem despertar de um sono retemperador e logo nos empurram para a selva que nos rodeia. São as notícias que entram pelos ouvidos e causam mossa no cérebro. Hoje a poluição sonora veio da voz esganiçada e das ideias disparatadas de Sousa Franco, a personagem que os socialistas escolheram para liderar a lista para o Parlamento Europeu. Sousa Franco questionou o europeísmo do PSD, argumentando que está refém das posições do parceiro da coligação. Para Sousa Franco, o PSD “foi colonizado pelas posições anti-Europa do seu parceiro de coligação, CDS-PP”.

Escutar as palavras de Sousa Franco é sentir que ele se embrulha numa deliciosa ironia. Diria mesmo que o antigo ministro das finanças de Guterres dá mostras de um cinismo inigualável. Como pode ele aparecer em público a duvidar do compromisso europeísta de outros partidos quando foi ele o grande mentor do descalabro das finanças públicas no passado recente? Como foi abundantemente demonstrado ainda esta semana (por exemplo, no Diário Económico e até por pessoas que passaram por governos socialistas), sabe-se que foi Sousa Franco que desaproveitou uma oportunidade de ouro para encarreirar as finanças públicas no bom sentido.

Na lógica da fábula da cigarra e da formiga, Sousa Franco foi a cigarra gastadora e irresponsável. Desbaratou um clima de prosperidade económica para situar o défice orçamental dentro do limite estipulado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Em tempo de vacas gordas, o momento era o ideal para poupar. Para que depois, quando a tormenta chegasse, fosse possível aliviar o cinto sem que o défice ultrapassasse os 3% do PIB. Sousa Franco, enquanto ministro das finanças, insistiu numa política despesista contra o ciclo. O resultado foi o famoso défice de 4,1%.

Se há alguém que não devia vir a público dar lições de europeísmo, essa pessoa é Sousa Franco. Porque, enquanto ministro das finanças, lançou as sementes para o deslizamento orçamental que quase hipotecava a credibilidade do país perante os seus parceiros da União Europeia. Esse ministro das finanças não soube (ou não quis) gerir as finanças públicas de acordo com os compromissos que o país tinha assumido no quadro da União Europeia. Sousa Franco sabia bem o que era o PEC e quais as suas consequências. Na altura nunca se insurgiu contra o PEC. Só mais tarde, indo à boleia da irresponsabilidade política dos governos alemão e francês, Sousa Franco e os socialistas apareceram em público a verberar o pacto.

Que autoridade moral tem este senhor para dizer aos portugueses o que é ser bom europeísta? Se foi ele o carrasco das finanças públicas portuguesas, numa demonstração de insensibilidade para com as obrigações do PEC – afinal um compromisso que resulta da nossa participação na União Europeia. Não há dúvida que o PS que temos é um repositório de sucessivas desorientações. Acto após acto, a gente que domina o PS insiste em trazer a arma apontada para o próprio pé, com o coldre destravado!

Confesso que este PS me enche as medidas – pela irresponsabilidade, pelo descrédito, pelo autismo, pela ofensa à memória (curta, para sua sorte) da população portuguesa. Esgota-se a paciência por verificar a condescendência com que o PS é tratado na comunicação social. Como se fosse um elemento fundamental do genoma democrático do regime. Como se não fosse possível equacionar um cenário (idílico) em que o PS fosse varrido do mapa. Afinal, o mesmo não aconteceu em Itália, sem prejuízo para a qualidade da democracia e da governação?

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