Há um par de dias a comunicação social anunciava-o com alarido: o patrão da Sonae, descontente com o rumo seguido pelo país, revelou a intenção de retirar a sua holding do território nacional. Esta intenção é uma forma de pressão sobre o governo. Sendo responsável por avultada criação de emprego e de riqueza, Belmiro de Azevedo acha-se no direito de ditar as opções do governo em matéria de política microeconómica, em especial no que diz respeito aos apoios ao sector empresarial.
O governo não demorou a reagir: não cede a pressões, venham elas de onde vierem. Esta afirmação vale o que vale. É por demais sabido – até é objecto de estudo exaustivo por sectores da economia e da ciência política – que os governos são sempre sensíveis a pressões, “venham elas de onde vierem”. Tudo depende de quem ocupa a cadeira do poder e das suas motivações subjectivas. Tudo depende de quem tem acesso privilegiado aos canais de poder, à sua capacidade de persuasão e à sensibilidade dos governantes a estas formas de pressão. Quando o governo anuncia em público que não cede a pressões “venham elas de onde vierem”, há que relativizar a afirmação. Seria mais honesto reformular o enunciado: perante as circunstâncias actuais, o governo não é sensível às pressões exercidas por Belmiro de Azevedo.
Não posso ser ingénuo ao ponto de fazer de conta que a política contemporânea não é feita como resposta ao amplexo de pressões com origens plurifacetadas. Todavia há que encontrar um ponto de equilíbrio que não prejudique a decência pública. Se é impossível banir as pressões da agenda política, pelo menos que não se deixe passar para o exterior a imagem de que elas são o pão-nosso de cada dia. Até pelas suspeitas que se erguem no horizonte, beliscando a honestidade e a imparcialidade que se espera dos agentes políticos. Para bem da democracia, para bem da sobrevivência do regime político, para que os eleitores não se divorciem ainda mais do processo político, a caminho de uma plutocracia de interesses.
Lamentável é que um destacado agente do meio empresarial passe a imagem de dependência face ao Estado. Quando tanto se insiste que as empresas devem actuar num ambiente desligado de interferências estatais, a atitude de Belmiro de Azevedo vem em sentido contrário. Ele é o exemplo dos empresários que olham para o Estado com duas faces. Não querem que o Estado dificulte a sua actividade, reclamando uma regulamentação económica mais liberal, despida dos obstáculos intervencionistas que têm dominado. Mas quando atravessam dificuldades não hesitam em recorrer à mão amiga do Estado, reivindicando do governo actuações (logo, intervencionismo) que os ponham a cobro da concorrência externa. Dois pesos e duas medidas, com a tenebrosa imagem de que nos momentos de aperto estes empresários olham, por instinto, para o Estado paternalista como a tábua salvadora.
Não é com estes comportamentos que os empresários se constituem em agentes de mudança, os impulsionadores de uma sociedade civil descomprometida, com iniciativa, inovadora. Nem sequer conseguem cativar os cidadãos para o papel de mudança que deve ser seu predicado.
Num tempo em que é mote social o imperativo das democracias não cederem à chantagem dos terroristas que espalham tanta violência e insegurança, o mesmo comportamento deve ser seguido em resposta às intoleráveis pressões de Belmiro. Quer sair do país? Pois que vá, as portas estão abertas quer para quem entra, quer para quem quer sair.
Sem comentários:
Enviar um comentário